São Paulo, terça-feira, 05 de fevereiro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A indústria a serviço do Brasil

STEFAN BOGDAN SALEJ

As propostas de política econômica e social apresentadas pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para debate com os candidatos à presidência da República é uma iniciativa louvável e não pode morrer na Quarta-Feira de Cinzas. Demonstra, antes de tudo, que a entidade, no melhor espírito industrial, estava trabalhando enquanto boa parte do país se dedicava às férias de verão.
Apesar de ser uma entidade regional, a Fiesp coloca em debate idéias que devem ser discutidas não só com os candidatos à Presidência da República. A proposta ganhará ainda mais peso se mais entidades, empresários e demais segmentos da sociedade se mobilizarem para discuti-la. Qualquer negociação com candidatos ou governos ganhará muito mais respaldo se for abraçada por demais entidades e conseguir promover a unidade empresarial.
Além disso, é importante lembrar que também serão eleitos deputados estaduais e federais, senadores e governadores de Estado, que são pessoas fundamentais para o sucesso de qualquer política econômica e social. Quanto mais agentes políticos se envolverem nessa discussão, mais ela poderá se transformar em realidade.
Mas, junto das metas que gostaria de ver alcançadas, a indústria precisa apresentar uma agenda de ações que deveriam ser desenvolvidas pelas empresas em assuntos como educação, meio ambiente e responsabilidade social.
As empresas devem assumir compromissos com a educação e a requalificação de seus funcionários e parentes próximos. Precisam erradicar ou reduzir ao máximo a poluição ambiental no processo produtivo. E devem recusar apoio a candidatos que não tenham compromissos com a transformação da sociedade. Só assim a indústria poderá exigir a contrapartida dos governantes.
Afinal, qual candidato se colocará contra uma proposta que, entre outras coisas, pede o crescimento da economia, aumento da taxa de escolarização, criação de 4,8 milhões de empregos, redução da pobreza e da mortalidade infantil? A forma como isso deverá ser feito é que precisa ser esmiuçada.
A meu ver, o empresariado brasileiro sente a necessidade de definição do eixo do modelo de desenvolvimento do capitalismo nacional.
Nesse sentido, o Estado e o futuro presidente da República precisam se comprometer também com o apoio a empresas de tecnologia de ponta, que se mostrem competitivas tanto no mercado interno como no mercado externo. É preciso estimular o crescimento de empresas nas quais o centro de decisão esteja em território nacional. Para isso existe o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). As empresas estrangeiras podem muito bem -e têm condições para isso- obter financiamento em seus países de origem ou em grandes centros bancários.


O Estado e o futuro presidente da República precisam se comprometer com o apoio a empresas de tecnologia de ponta


Qualquer iniciado sabe que quase metade da economia nacional vive na informalidade. Até quando vamos conviver com isso? Ao invés de criar novos tributos, como vem fazendo ao longo dos anos, o governo precisa simplificar a legislação tributária. E, como propõe o documento da Fiesp, acabar com os impostos em cascata que só oneram e tiram a competitividade do setor produtivo. Em um primeiro momento a arrecadação da Receita Federal poderá até cair um pouco. Mas, ao longo do tempo, a base de arrecadação irá aumentar com o ingresso de novos contribuintes.
Novas -pequenas, médias ou grandes- empresas no mercado significam a abertura de novas oportunidades de trabalho e perspectiva de crescimento de renda da população.
Além de incentivar e legalizar novas empresas, as ações do novo governo devem estar voltadas para a descentralização desse desenvolvimento. Ou seja: indústrias com tecnologia de ponta e as que vivem na informalidade teriam novas formas de tributação desde que se instalassem em cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Algo que se assemelhasse ao Simples, que hoje só é oferecido às microempresas.
Medidas práticas como essas precisam vir acompanhadas de compromissos claros sobre temas como a redução da taxa de juros e as reformas tributária, previdenciária e trabalhista. Algum candidato acha possível manter um sistema previdenciário que aposenta servidores públicos com salário integral e que impõe um teto para os trabalhadores da iniciativa privada? Se ele existe, não deve ser o candidato da indústria.
Em vez de recolher o Fundo de Garantia para os cofres da Caixa Econômica Federal, por que não colocar esse dinheiro diretamente no bolso do trabalhador? Afinal, o suposto financiamento habitacional para a população de baixa renda não é exatamente o forte da Caixa Econômica?
Só o aumento da oferta de oportunidades e da renda do trabalhador brasileiro irá ajudar a reduzir um mal que hoje tanto aflige a sociedade: a violência. Ninguém mais pode fingir, se quiser continuar morando no Brasil, que ignora essa realidade.
Além de apresentar propostas para fazer crescer a economia, a indústria também tem o direito de fiscalizar o aparato estatal e exigir o cumprimento das suas obrigações para com a sociedade. A máquina pública tem o péssimo hábito de demorar a responder às necessidades da população.
O que se espera é que as demais entidades empresarias tenham uma postura diferente e abracem o debate proposto pela Fiesp, em vez de ficarem esperando pelas promessas que serão veiculadas durante a campanha eleitoral.


Stefan Bogdan Salej, 58, empresário, é vice-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).



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