São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Mexicanização em marcha?
JEFFERSON PÉRES
Desprovidos de meios de atuação efetiva, os partidos oposicionistas não conseguiam capitalizar o descontentamento de setores da sociedade, que ficaram sem canais condutores dos seus reclamos e anseios. Como disse Octávio Paz, em "O Ogro Filantrópico", a insatisfação popular se traduzia num sentimento difuso de ceticismo e desesperança. Donde a longevidade do regime, finalmente interrompida pela vitória de Vicente Fox. Receio muito que estejamos a viver, no Brasil, o início de um processo de mexicanização da cena política nacional. Não obviamente uma reprodução fiel da experiência mexicana, o que teria sabor de farsa, para lembrar a famosa observação de Marx, uma vez que os contextos históricos são muito diferentes. Mas vislumbro a gestação de um modelo de características não exatamente iguais, com suas peculiaridades, mas igual na essência. Não exagero se disser que os principais ingredientes da receita parecem estar reunidos. A começar pela presença, no poder, de um partido que, embora não-ideológico, tem sobre os adversários a vantagem de possuir organização, militância, disciplina, espírito grupal e apetite para aparelhar a estrutura do Estado. Segundo, para utilizarmos conceitos de Gramsci, ocorre uma situação inédita e preocupante na história política recente do nosso país. Até o governo FHC, os partidos no poder, portanto, no controle das classes dominantes, não controlavam as classes dirigentes, fortemente influenciadas pelos partidos de oposição, o que lhes dava grande capacidade de mobilização e resistência. Hoje, os partidos no poder, PT à frente, controlam também, de certa forma, as classes dirigentes, ao manterem sob sua influência os principais movimentos da sociedade organizada. Com baixo nível de organização e sem enraizamento social, doutrinariamente vazios, sem líderes populares e reduzidos a ínfimas minorias no Congresso, os partidos oposicionistas não terão poder de capitalizar o potencial de rebeldia dos descontentes, que tenderão, para lembrar Octávio Paz, a resvalar para o ceticismo e a desesperança. Quem sabe, para o cinismo. Registre-se outra mudança substancial, que muitos ainda não perceberam. Antes, a existência da oposição estava assegurada, sob a liderança do PT, por ser de caráter ideológico, integrada por políticos convictos, imunes à cooptação pelo poder. Hoje, a oposição é formada, em sua maioria, por políticos sem convicções, que só conseguem sobreviver no regaço do poder. Se o governo quiser -e quer-, sobrarão muito poucos no campo oposicionista. Acresce ainda que, se reeleito, em oito anos de mandato Lula fará a maioria dos membros dos tribunais superiores. Teremos, assim, a cúpula do Poder Judiciário, não digo submissa, mas seguramente simpática ao governo. E, para completar, o perigo, real, do amordaçamento legal do Ministério Público. Tudo isso no quadro de uma federação de fancaria, pela hipertrofia do poder central, agravada com as recentes mudanças tributárias, que reduzirão os governadores a dóceis presidentes de província, numa regressão de fato ao Estado unitário do período imperial. Finalmente, last, but not least, os meios de comunicação, fragilizados financeiramente, a dependerem do socorro de bancos estatais, poderão impor-se indesejável autocensura, demitindo-se do seu papel crítico e abrindo caminho para a prevalência da verdade oficial e, sinistramente, do pensamento único. Então não faltará nada para se reeditar no Brasil uma versão, talvez mais branda, do México sob o domínio do PRI. O Estado convertido num ogro filantrópico, monopolizado por uma burocracia partidária corrompida pelo poder, ineficiente no desempenho de suas funções, mas eficientíssima na compra de apoios e na conquista de votos. Não fantasio. Trata-se de um risco real. Minha única dúvida é se isso faz parte de um projeto hegemônico do núcleo dirigente do PT ou se decorre de um processo natural, não planejado, o que, aliás, é irrelevante. Importa o fato de que está em marcha a mexicanização da política nacional, que poderá, sem golpe de Estado e sem ditadura formal, resultar num prolongado eclipse da democracia em nosso país. Perspectiva que me dá calafrios. Jefferson Péres, 71, advogado, é senador pelo PDT-AM. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Hélio Bicudo: Ministério Público e seu controle Índice |
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