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CENSURA RELIGIOSA
A publicação de charges retratando o profeta islâmico
Muhammad originou ruidosa onda
de ataques à liberdade de expressão
na Europa que desafia fundamentos
da democracia republicana.
Apontando ofensa ao princípio que
proíbe a idolatria e, em conseqüência, a representação da imagem de
seu profeta máximo, muçulmanos
em diversos países defendem a censura às charges, editadas em setembro por um jornal da Dinamarca e reproduzidas por outras publicações
européias nos últimos dias.
Em razão dos protestos, o editor-executivo do jornal "France Soir",
que publicou os desenhos, terminou
demitido, enquanto a imprensa britânica preferiu não reproduzi-los.
Ainda que algumas das charges sejam de gosto duvidoso, não se pode
acatar argumentos que levem à interdição prévia de imagens ou temas
sob a justificativa de que ferem suscetibilidades desta ou daquela religião.
Na tradição iluminista, há um elenco de valores que aspiram à universalidade. Entre eles estão o direito à livre expressão de idéias e o direito à liberdade de culto. Este último é concebido como uma garantia que as
Constituições modernas asseguram
ao indivíduo, e não aos sistemas de
crença. Sempre que a liberdade individual de culto estiver ameaçada, o
Estado deve ser chamado a intervir.
Ora, no caso, não há indício de que
as charges constranjam a prática religiosa dos muçulmanos naqueles
países europeus. O que os desenhos
transmitem são críticas -que, por
se filiarem ao gênero humorístico,
tendem ao exagero mordaz- ao que
seus autores consideram um uso
desvirtuado do islamismo por terroristas adeptos de ataques suicidas.
Para tanto, os cartunistas se valeram da figuração do profeta, o que,
por tratar-se de interdito religioso no
islamismo, ofendeu parcela dos fiéis
daquela religião. Ou seja, o conflito
se dá entre um direito que aspira à
universalidade, de um lado, e uma
ofensa que apenas ganha sentido
dentro de um sistema religioso, de
outro. Não há dúvida de que, nesse
caso, as democracias devem optar
pela defesa do valor mais importante
-a liberdade de expressão-, mesmo que isso signifique contrariar
uma comunidade religiosa.
O caso das charges evoca a sentença de morte proclamada contra o escritor Salman Rushdie como punição por sua narrativa ficcional em
torno do profeta Muhammad. A
"fatwa" contra Rushdie proveio da
"justiça divina" do aiatolá Khomeini,
então a principal liderança do Irã,
que viu blasfêmia contra o islamismo na obra do autor anglo-indiano.
Não há exemplo melhor para exprimir o contraste radical que surge da
comparação entre o sistema legal vigente no Irã e o das modernas democracias ocidentais. A revolução de
Khomeini trouxe a religião de volta
para o centro do poder temporal. A
iluminista a expulsou de lá.
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