São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

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Encastelados

Num sinal de que a impunidade alimentou a empáfia, corregedor da Câmara quer acabar com cassações de deputados

EM DISCURSOS e declarações parlamentares, deputados e senadores se comprazem em apresentar o Congresso como a Casa do Povo. Na prática, porém, se afastam cada vez mais dessa imagem.
As eleições para compor as Mesas das duas Casas deram sequência a um ciclo de reabilitações que renova o desprezo para com a expectativa popular de uma conduta minimamente aceitável da parte de seus representantes. Nada de novo sob o sol do Planalto.
No Senado, desfilam e ostentam poder reconquistado personagens como Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor (PTB-AL). Na Câmara, ressuscitam outros espectros. Só os incautos acreditavam-nos sepultados por sucessivas CPIs a prometer "ética na política", ainda que a pantomima por vezes escape do roteiro original e produza resultados de fato.
Dramas históricos e fábulas morais não são o forte da Corregedoria Geral da Câmara, por certo. Tome-se o novo corregedor, deputado Edmar Moreira (DEM). Sua inclinação pela mítica inflexibilidade ética dos cavaleiros andantes parece restrita ao Castelo Monalisa, o simulacro de edificação medieval com 36 suítes que tenta vender por US$ 25 milhões em São João Nepomuceno (MG).
Com a brutalidade de um aríete e muita desfaçatez, Moreira propôs, no seu primeiro dia na função, que a Corregedoria renuncie a corrigir.
O deputado, que responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal sob acusações de crime contra o patrimônio e apropriação indébita previdenciária, tem experiência, por assim dizer, no assunto. Já integrou o Conselho de Ética da Câmara e renunciou à vaga, após derrota de seu relatório inocentando o companheiro José Mentor (PT-SP). Moreira quer que o julgamento de deputados deixe de ser feito na Casa e que a Corregedoria, quando constatar a pertinência de denúncias contra parlamentares, as encaminhe à Justiça.
Para o corregedor, deputados não têm poder de polícia. Seu "espírito de corpo" e a "fraternidade entre os colegas" lhes retirariam a condição de fazer julgamentos isentos sobre quebra de decoro -enfim um momento de veracidade, ainda que a serviço de argumentação cavilosa.
Sua proposta apenas institucionalizaria a omissão parlamentar, desobrigando a Câmara de zelar pela conduta de seus integrantes. Além do mais, equivale a uma nova e voluntária servidão do Legislativo a um Poder externo, o Judiciário.
Manifestações como a de Edmar Moreira decorrem diretamente do festival de absolvições de deputados na esteira do escândalo do mensalão. A impunidade alimentou a empáfia de políticos que, encastelados em Brasília, nem mais fingem respeitar a opinião pública.


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