São Paulo, sexta-feira, 05 de fevereiro de 2010

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JOSÉ SARNEY

A crueldade na política

JÁ TENHO DITO algumas vezes que foi Lênin que doutrinou usar na política as leis da guerra. Acabar com o adversário sem medir meios nem métodos. Levar à destruição total. Por isso mesmo a política pode ser cruel. Quem já provou dessa cicuta é que sabe.
O famoso senador Vitorino Freire, conhecido por sua agressividade e implacável tratamento com o adversário, dizia, entre os provérbios que semeou, que "adversário, quando não tem rabo, a gente bota". Tese terrível.
Agora a França vive um exemplo desses. Dominique de Villepin é um político ligado a Chirac que disputou com Sarkozy a herança da direita gaulista francesa, mas teve a coragem de ser contra a invasão do Iraque. Agora foi absolvido e mostra na carne as cicatrizes das injustiças que sofreu. É que descobriram uma conta de lavagem de dinheiro num banco de Luxemburgo chamado Clearstream.
Entre os nomes relacionados como beneficiários dessa conta se encontrava o de Sarkozy. Este acusou Villepin de ter incluído a posteriori seu nome. Por outro lado, Villepin acaba de provar que um tal Imad Lauoud tinha enxertado alguns nomes de políticos para manchá-los e não ele, como acusa o presidente. É um emaranhado de sordidez em que uns políticos tentavam sujar os outros, em armações tão do agrado dos tabloides londrinos.
Aqui, num dos "diálogos" divulgados de processos sigilosos, um dos circunstantes dizia: "Vou para a casa do Sarney". Examinada a gravação pelo perito Molina, provou-se que a fita fora montada e que a voz e a frase não constavam do diálogo e eram de outra pessoa. Fora enxertada na tentativa de mostrar intimidade minha com o acusado, a quem eu não conhecia.
Na França, lembremos também, nessa linha, o famoso caso Dreyfus, de trágica memória, em que este oficial do Exército foi acusado de traição, condenado à prisão perpétua e à chamada "guilhotina seca", que era a prisão na ilha do Diabo, na Guiana. Foi preciso a coragem de defendê-lo de Émile Zola, ao publicar um manifesto com os erros do julgamento ("J'Accuse!"), para acabar com a fraude. O julgamento foi anulado e foi provada a sua inocência, depois de purgar cinco anos de prisão. Mas só foi reabilitado sete anos depois.
Guillaume Apollinaire, grande poeta precursor da revolução artística moderna, foi, com Picasso, seu amigo, em 1911, acusado de roubar o retrato da Gioconda do Museu do Louvre. Depois provou-se ser tudo mentira e falsidade dos inimigos.
Nada pior do que esses golpes sórdidos da luta política. Ainda mais no Brasil, onde não existe o direito de resposta.

jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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