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JOSÉ SARNEY
A crueldade na política
JÁ TENHO DITO algumas vezes
que foi Lênin que doutrinou
usar na política as leis da guerra. Acabar com o adversário sem
medir meios nem métodos. Levar à
destruição total. Por isso mesmo a
política pode ser cruel. Quem já
provou dessa cicuta é que sabe.
O
famoso senador Vitorino Freire,
conhecido por sua agressividade e
implacável tratamento com o adversário, dizia, entre os provérbios
que semeou, que "adversário,
quando não tem rabo, a gente bota". Tese terrível.
Agora a França vive um exemplo
desses. Dominique de Villepin é
um político ligado a Chirac que disputou com Sarkozy a herança da
direita gaulista francesa, mas teve a
coragem de ser contra a invasão do
Iraque. Agora foi absolvido e mostra na carne as cicatrizes das injustiças que sofreu.
É que descobriram uma conta de
lavagem de dinheiro num banco de
Luxemburgo chamado Clearstream.
Entre os nomes relacionados como beneficiários dessa conta
se encontrava o de Sarkozy. Este
acusou Villepin de ter incluído a
posteriori seu nome. Por outro lado, Villepin acaba de provar que
um tal Imad Lauoud tinha enxertado alguns nomes de políticos para
manchá-los e não ele, como acusa o
presidente. É um emaranhado de
sordidez em que uns políticos tentavam sujar os outros, em armações tão do agrado dos tabloides
londrinos.
Aqui, num dos "diálogos" divulgados de processos sigilosos, um
dos circunstantes dizia: "Vou para
a casa do Sarney". Examinada a
gravação pelo perito Molina, provou-se que a fita fora montada e
que a voz e a frase não constavam
do diálogo e eram de outra pessoa.
Fora enxertada na tentativa de
mostrar intimidade minha com o
acusado, a quem eu não conhecia.
Na França, lembremos também,
nessa linha, o famoso caso Dreyfus,
de trágica memória, em que este
oficial do Exército foi acusado de
traição, condenado à prisão perpétua e à chamada "guilhotina seca",
que era a prisão na ilha do Diabo,
na Guiana. Foi preciso a coragem
de defendê-lo de Émile Zola, ao publicar um manifesto com os erros
do julgamento ("J'Accuse!"), para
acabar com a fraude. O julgamento
foi anulado e foi provada a sua inocência, depois de purgar cinco anos
de prisão. Mas só foi reabilitado sete anos depois.
Guillaume Apollinaire, grande
poeta precursor da revolução artística moderna, foi, com Picasso, seu
amigo, em 1911, acusado de roubar
o retrato da Gioconda do Museu do
Louvre. Depois provou-se ser tudo
mentira e falsidade dos inimigos.
Nada pior do que esses golpes
sórdidos da luta política.
Ainda mais no Brasil, onde não
existe o direito de resposta.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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