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TENDÊNCIAS/DEBATES
Pobrezas
MARCIO POCHMANN
O Brasil requer inovadores métodos de combate às diferentes formas de pobreza, sobretudo na desigual repartição da renda
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"Miséria é miséria em qualquer canto/
Riquezas são diferentes"
("Miséria", Titãs)
ASSIM COMO as sociedades se
transformam, as condições de
produção e reprodução da pobreza alteram-se com o passar do
tempo.
Ainda no século 19, por exemplo,
David Ricardo e Thomas Malthus difundiram a percepção acerca do processo de naturalização da pobreza por
identificar que a reprodução humana
ocorria em ritmo superior à capacidade econômica de produzir alimentos
e renda para todos.
Os críticos da concepção da pobreza natural, como Alexis de Tocqueville e Karl Marx, explicitaram que os
pobres não resultavam do maior aumento populacional em relação à produção, mas da incapacidade de o capitalismo redistribuir adequadamente
o excedente econômico gerado. A riqueza crescia simultaneamente à elevação ou manutenção de enormes
contingentes de pobres nas economias mais avançadas.
No final do século 19, pesquisadores como Benjamin Rowntree e Charles Booth avançaram em métodos
científicos originais para medir a pobreza, que passou a ser identificada
por critérios de insuficiência de renda
necessária ao padrão de vida.
A pobreza extrema (severa) explicitaria o mero acesso ao consumo mínimo correspondente à sobrevivência,
enquanto a pobreza absoluta indicaria o acesso necessário ao consumo
básico para a reprodução humana. O
prévio estabelecimento de uma cesta
de necessidades mínimas ou básicas a
ser atendida mensalmente corresponderia ao custo monetário de aquisição no mercado de bens e serviços.
Diante das condições gerais de insuficiência de renda para o acesso ao
padrão de vida mínimo ou básico, que
permitia identificar e dimensionar as
diferentes manifestações da pobreza,
houve o desenvolvimento de um conjunto de políticas públicas de oferta
de bens (alimentos, terras, empregos)
e serviços (educação, saúde, assistência social) e, ainda, das transferências
diretas de renda para o enfrentamento do sofrimento humano.
O avanço das políticas públicas de
caráter distributivo permitiu, em
consequência, reduzir e até superar a
pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e
riqueza. Só com o aparecimento das
políticas redistributivas é que se tornou possível combater, de fato, a má
repartição do excedente econômico.
Até então, o Estado compunha o
fundo público por meio de impostos,
taxas e contribuições para repassá-los, posteriormente, à sociedade na
forma de serviços, bens e transferência direta de renda, sem considerar o
desigual ônus arrecadatório sobre os
distintos segmentos sociais.
Se os pobres pagam mais tributos
proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem
reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza.
Por conta disso, a antiga medida de
pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída
pela medida de pobreza relativa.
Ou
seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos
(concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência
ou da reprodução humana.
Foi nesse contexto que as políticas
públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema
tributário comprometido com a justiça social.
A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as
diferentes formas de pobreza.
Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar. Em 2008, o país registrou 28% da população na condição
de pobreza absoluta e 10,5% na pobreza extrema. Para o ano de 2016, as
projeções do Ipea indicam a superação da pobreza extrema e apenas 4%
da população na pobreza absoluta.
Como em 2008 a pobreza relativa
alcançou 54% dos brasileiros (quase
duas vezes mais que o contingente
medido pela pobreza absoluta e 5,1
vezes a pobreza extrema), percebe-se
que o rumo brasileiro certo requer,
ainda, inovadores métodos de combate às diferentes formas de pobreza,
sobretudo na desigual repartição da
renda e da riqueza.
MARCIO POCHMANN, 47, economista, é presidente do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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