São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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VOLUNTARISMO COMERCIAL

O economista Roberto Giannetti da Fonseca assumiu a secretaria-executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior) deixando em segundo plano a meta de exportar US$ 100 bilhões. A prioridade, declarada em entrevista à Folha, é gerar superávits de até US$ 10 bilhões, em dois anos, independentemente dos valores absolutos de exportações e importações.
A substituição de uma meta absoluta nas exportações por uma relativa ao saldo comercial já é um ganho de inteligência no trato da questão em relação à retórica que existia.
Mas logo se apresenta uma questão de lógica. Giannetti persegue o saldo comercial, mas repele políticas que interfiram nas importações, receando reeditar medidas protecionistas.
Se o gestor da política comercial de antemão rejeita medidas de substituição de importações, a conclusão lógica é que ele está novamente às voltas com metas de exportação.
Ainda é pertinente saber se o erro do governo era apostar em vendas externas de US$ 100 bilhões ou se, além da meta quantitativa, o erro está na ausência de políticas comerciais e industriais mais amplas que enfrentem de vez a questão do excesso de abertura comercial dos últimos 13 anos.
As vendas externas estão em boa medida fora do controle do governo. Vender no mercado mundial depende mais da taxa de crescimento da economia internacional e ainda não há razões para otimismo nessa área.
Infelizmente, o novo secretário da Camex não avança um milímetro no debate de políticas industriais mais amplas. Pior, reafirma a velha convicção de que o mercado espontaneamente promoverá a substituição de importações. Giannetti afirma que, só quando houver "escala" nas exportações brasileiras, "o componente nacional vai começar a aparecer" e que, "quando o produto final dá certo, a cadeia produtiva aparece".
É, em termos de análise de cadeias produtivas, uma idéia de geração espontânea. Mas um saldo comercial surge apenas se, aumentando as exportações, as importações ao menos não cresçam na mesma intensidade. E nada garante que as importações, espontaneamente, percorram esse roteiro de bom comportamento.
O secretário da Camex, porém, acredita que, suficientemente promovidas as exportações, as cadeias produtivas internas venham a brotar.
Outro artifício que parece promissor é a criação de novos fundos de financiamento à exportação.
É óbvio que, sem crédito farto e barato às exportações, será impossível esperar que o saldo comercial aumente. Mas o que é uma condição necessária nem sempre é suficiente.
Operações de crédito dependem da qualidade dos projetos dos devedores, mas também da credibilidade da política econômica. É quixotesco querer salvar exportações dando crédito se as outras dimensões de uma política industrial continuam ausentes e o governo aposta no surgimento espontâneo de cadeias industriais.
Essa aposta choca-se frontalmente com a noção, aceita por Giannetti, de que é urgente gerar saldos comerciais, caso contrário haverá uma crise de balanço de pagamentos que obrigaria o governo a frear o crescimento da economia brasileira para enfim reduzir as importações.
Será difícil, para dizer o menos, formular políticas de comércio exterior ancoradas numa lógica capenga. É importante sublinhar, aliás, que aumentar os recursos disponíveis para financiar exportações, até mesmo com subsídios, pode ser excelente para os grupos empresariais exportadores. Mas, sem políticas consistentes para a criação das cadeias produtivas domésticas, pode ser apenas isso, subsídio para exportadores, sem necessariamente contribuir para a geração de saldos no comércio exterior.
A continuar desse modo, a política oficial permanecerá ancorada no velho e infrutífero voluntarismo comercial, beneficiando os de sempre e adiando, quando muito, uma crise de balanço de pagamentos que o próprio gestor da Camex admite temer.


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