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Crônica carioca
ELIANE CANTANHÊDE
Brasília - Há muitos elementos intrincados e intrigantes nessa história
envolvendo o cineasta João Moreira
Salles e o bandido Marcinho VP.
João, o bonzinho, é rico, bonito, culto, bem-nascido, bem-educado. Tem
uma cara ótima.
Márcio, o mauzinho, é pobre, feio,
nasceu mal, educou-se mal. Tem uma
cara bem esquisita.
Os dois se encontraram na favela
Dona Marta durante uma filmagem.
João era o cineasta, e o enredo era sobre traficantes. Como Marcinho VP.
Desde então, eles já trocaram uns 70
telefonemas, segundo li não sei onde.
E João doava R$ 1.200, religiosamente,
todos os meses, para Marcinho. Que
está foragido da polícia, morando no
exterior e escrevendo um livro.
Até aqui, trata-se de uma reconstituição em pinceladas rápidas do que
saiu publicado na imprensa. Em alguns casos, não nas páginas nacionais
nem policiais, que comportariam
Marcinho e traficantes, mas nas de
cultura, que abrigam João e cineastas.
Trata-se de uma história e tanto.
Porque é a cara do Brasil, ou dos dois
brasis que inacreditavelmente convivem lado a lado. No Rio, quase porta a
porta. E porque é tão fantástica quanto inacreditável.
Ou João é tão perfeito que vale a pena recuperar a crença no país, no
mundo e no ser humano. E torço para
isso. Ou João é uma incógnita, apenas
um personagem a mais numa guerra
cotidiana em que há bandidos e vítimas. Não há mocinhos. Ou não havia.
De tudo, fica a sensação de que a polícia sabia demais, analisava de menos e poderia tomar qualquer atitude.
Até a de chantagear um sobrenome
tão famoso, dono de uma das maiores
fortunas do país.
O resultado é uma trama que envolve a elite e a imprensa carioca, numa
dupla tentativa: idolatrar João e recriar o mito Márcio. Se não der as
duas, paciência. A cabeça de João está
salva e a de Márcio é que vai rolar. Como estava escrito desde o início. Não
nos jornais, mas nas estrelas.
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