São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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Crônica carioca

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Há muitos elementos intrincados e intrigantes nessa história envolvendo o cineasta João Moreira Salles e o bandido Marcinho VP.
João, o bonzinho, é rico, bonito, culto, bem-nascido, bem-educado. Tem uma cara ótima.
Márcio, o mauzinho, é pobre, feio, nasceu mal, educou-se mal. Tem uma cara bem esquisita.
Os dois se encontraram na favela Dona Marta durante uma filmagem. João era o cineasta, e o enredo era sobre traficantes. Como Marcinho VP.
Desde então, eles já trocaram uns 70 telefonemas, segundo li não sei onde. E João doava R$ 1.200, religiosamente, todos os meses, para Marcinho. Que está foragido da polícia, morando no exterior e escrevendo um livro.
Até aqui, trata-se de uma reconstituição em pinceladas rápidas do que saiu publicado na imprensa. Em alguns casos, não nas páginas nacionais nem policiais, que comportariam Marcinho e traficantes, mas nas de cultura, que abrigam João e cineastas.
Trata-se de uma história e tanto. Porque é a cara do Brasil, ou dos dois brasis que inacreditavelmente convivem lado a lado. No Rio, quase porta a porta. E porque é tão fantástica quanto inacreditável.
Ou João é tão perfeito que vale a pena recuperar a crença no país, no mundo e no ser humano. E torço para isso. Ou João é uma incógnita, apenas um personagem a mais numa guerra cotidiana em que há bandidos e vítimas. Não há mocinhos. Ou não havia.
De tudo, fica a sensação de que a polícia sabia demais, analisava de menos e poderia tomar qualquer atitude. Até a de chantagear um sobrenome tão famoso, dono de uma das maiores fortunas do país.
O resultado é uma trama que envolve a elite e a imprensa carioca, numa dupla tentativa: idolatrar João e recriar o mito Márcio. Se não der as duas, paciência. A cabeça de João está salva e a de Márcio é que vai rolar. Como estava escrito desde o início. Não nos jornais, mas nas estrelas.


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