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Entre o
paletó e a
moradia
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
Foi um almoço agradável, mas cheio
de ironias. A Joaninha, apesar dos
seus 70 e tantos anos (ela vai ficar furiosa com este artigo, pois insiste ter
64...), ainda guarda seu belo senso de
humor, cultivado desde os tempos de
escola.
O Mathias é do tipo "serião". Carrega na face as marcas do agricultor sofredor, que trabalha de sol a sol. Mas,
no fundo, é irônico. Ele esconde a ironia por trás de uma fleuma pretensamente britânica. Logo quem... Sir Mathias...
A Joaninha lembrou que o Superior
Tribunal de Justiça, esse mesmo que
acolheu a liminar do Supremo Tribunal Federal que concede R$ 3.000 para
seus pares a título de auxílio-moradia,
em 1998 aprovou uma ajuda de R$
2.059 mensais para garantir o decoro
no vestir dos seus mil funcionários. É
o chamado "auxílio-paletó".
Além de detestar o nome, por ela
considerado indecoroso, a Joaninha
somou, subtraiu e dividiu para concluir que R$ 2.059 dá para cada funcionário comprar uns dez ternos por
mês, o que permitiria aos magazines
de Brasília vender 120 mil unidades
por ano (!), revolucionando o comércio local.
Muito mordaz essa comparação.
Mas tudo bem. Ela é assim mesmo.
Calcula tudo. E... (que ninguém nos
ouça) ... É miserável... É daquelas que
não assina a Folha porque lê a da vizinha...
Perdoe-me o leitor, ter desviado o
assunto. Afinal, hoje é Carnaval. É dia
de descontração.
Mas o almoço ficou tenso quando o
Mathias mencionou o fato de os altos
Poderes da República terem fixado
para os que mais ganham na administração pública um teto que não é teto.
Como à importância de R$ 11.500 os
funcionários e parlamentares aposentados poderão adicionar os benefícios
que recebem e como muitos recebem
benefícios que podem chegar a R$
11.500, na prática esses privilegiados
acabaram ficando com R$ 23 mil
-um "teto dúplex", apelidou a Joaninha.
Entre o auxílio-paletó, o auxílio-moradia e o teto dúplex, é difícil saber
qual deles é mais afrontoso à grande
maioria de bons funcionários que ganha, em média, R$ 1.500.
Felizmente, alguns magistrados de
bom senso renunciaram à benesse da
moradia; o presidente da República
abdicou do próprio teto; e, quem sabe, os funcionários do STJ se animem
a devolver os milhares de paletós calculados pela Joaninha... Que, em seguida, desabafou:
- Lecionei 40 anos; nunca me deram nem sequer um guarda-pó para
me proteger do giz; comprei a minha
casa pelo BNH (veja, ela é do tempo
do BNH...!); recebo R$ 330 como aposentada (mentira, pois ganha mais de
R$ 900); e, aos 64 anos de idade, sou
obrigada a engolir esse pacote indigesto -, ao que arrematei, para aliviar o clima:
- Hoje é dia de espairecer. Dia de
samba no pé e alegria na cabeça. Afinal de contas, apesar dessas tristes decisões, creia-me que a esperança é o
melhor dos remédios.
Tenha pois um bom Carnaval e
quem sabe após os festejos o milagre
venha a acontecer e os nossos dirigentes venham a acreditar mais no valor
do nosso dócil e sofrido povo.
Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos
nesta coluna.
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