São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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TENDÊNCIAS/DEBATES

União na política antidrogas


BARRY McCAFFREY

O aumento do consumo de drogas na Colômbia, no Peru, no Chile e na Argentina é mais um exemplo da globalização do problema dos narcóticos. Não é mais possível fazer uma distinção significativa entre países de trânsito e de consumo de drogas, pois todas as regiões hoje experimentam ambos os aspectos desse comércio ilícito. Por isso a cooperação internacional para minimizar os danos do tráfico adquire uma importância sem precedentes.
Um aspecto essencial da luta contra as drogas ilegais é atacar os lucros obtidos pelos cartéis do narcotráfico. Traficantes entram no negócio da distribuição das drogas porque é uma maneira rápida de ganhar dinheiro. Atacando os ganhos financeiros das organizações do tráfico, pode-se atingir essa atividade ilegal onde ela é mais vulnerável.
Segundo estimativas das Nações Unidas, o comércio mundial de drogas ilegais atinge US$ 500 bilhões anuais -mais que o apurado pela indústria internacional de petróleo e gás e mais que o dobro do apurado pela indústria automotiva. A lavagem de dinheiro possibilita aos traficantes investir de forma legal dinheiro de origem escusa.
Os milhões de dólares em lucro do comércio de drogas têm que ser lavados diariamente por meio do sistema financeiro internacional. A revolução das comunicações, a globalização de mercados financeiros e um grande número de novas tecnologias são avanços que estão sendo usados pelos traficantes para benefício próprio. Hoje os traficantes podem facilmente transferir fundos para jurisdições onde encontram poucos obstáculos legais. Eles usam uma variedade de mecanismos financeiros, como empresas-laranja, para esconder bens ou disfarçar sua origem e destino.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que exista mais de 1 milhão de corporações desse tipo no mundo. Também segundo o FMI, cerca de 8% do comércio internacional é de transações financeiras de lavagem de dinheiro. Grande parte desse dinheiro vem do narcotráfico.
Fora o custo social incalculável gerado por esses recursos criminosos, o dinheiro do narcotráfico corrompe mercados financeiros e sistemas políticos.

O compromisso brasileiro no combate aos traficantes é impressionante
A lavagem de dinheiro também cria mudanças inexplicáveis na demanda por moeda estrangeira, põe em risco a estabilidade de sistemas bancários e aumenta a volatilidade de transações financeiras legais dentro do grande fluxo do comércio internacional, além de distorcer as taxas de câmbio.
Cerca de US$ 57 bilhões são gastos anualmente no consumo de drogas ilegais dentro dos EUA. Considerando que 80% desse total é convertido em lucro após o pagamento dos custos, US$ 46 bilhões são lavados anualmente no país como resultado. O governo dos EUA atacou esse problema com duas leis: a lei de controle da lavagem de dinheiro e a lei de privacidade bancária. Lavagem de dinheiro é um crime federal sério, com mais de 170 infrações arroladas, que levam a sentenças de até 20 anos de prisão e multas de mais de meio milhão de dólares.
A lei de privacidade bancária é administrada pelo Departamento do Tesouro e dá aos investigadores ferramentas para perseguir trilhas de dinheiro de origem suspeita. O nome dessa lei engana um pouco, uma vez que reduziu a privacidade bancária nos EUA.
A lei obriga instituições financeiras a relatar todas as movimentações de mais de US$ 10 mil, além de quaisquer transações suspeitas. A não-apresentação de tais relatórios ou a divisão das transações em parcelas menores para evitar sua investigação foram classificadas como ações criminosas. Graças a essa legislação, nos últimos seis anos o Departamento de Justiça levou mais de 6.000 réus a julgamento sob acusação de lavagem de dinheiro. Aproximadamente metade desses casos foi de narcotráfico.
Autoridades dos EUA conseguiram contra-atacar lavadores de dinheiro por meio de operações federais de sucesso. A operação Calota Polar, por exemplo, é uma investigação em andamento da Agência de Repressão a Entorpecentes que confiscou mais de US$ 105 milhões e resultou na prisão de 11 pessoas. A força-tarefa Eldorado reúne 12 agências federais, estaduais e municipais no Estado de Nova York. A Eldorado confiscou US$ 150 milhões em dinheiro e prendeu mais de 700 pessoas, diminuindo dramaticamente as transferências de dinheiro para a Colômbia pelo Estado de Nova York.
Na arena internacional, os EUA dão apoio à cooperação internacional por meio de sua participação no Grupo de Ação Financeira (Gafi) sobre lavagem de dinheiro. Vinte e seis países e territórios que compõem o Gafi (que participa da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) estabeleceram 40 recomendações que determinaram um padrão internacional para o combate à lavagem de dinheiro. O Brasil participa como membro observador e deverá ser integrado ao grupo em julho.
Os EUA estão claramente engajados na redução da lavagem de dinheiro. Em um mundo globalizado onde milhões de transações eletrônicas são efetuadas diariamente, a cooperação internacional é fundamental. Com a adoção, em 1998, de uma lei de ampla aplicação no combate à lavagem de dinheiro, o Brasil assumiu um papel de liderança no combate a esse aspecto do negócio das drogas. Desde sua criação, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o equivalente brasileiro ao FinCEN (Financial Crimes Enforcement Network) dos EUA, rapidamente tomou medidas para implementar regras e procedimentos para tornar mais difícil a vida de criminosos financeiros.
Combinado com os esforços da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), o compromisso brasileiro no combate aos traficantes de droga e aos lavadores de dinheiro é impressionante.
O Brasil e os EUA devem continuar a trabalhar contra a lavagem de dinheiro de forma bilateral e multilateral. Apenas pela cooperação na luta contra esse inimigo comum nossas duas nações podem proteger seus cidadãos e garantir o império da lei.


Barry R. McCaffrey, general, é diretor do Escritório Nacional de Política de Controle de Drogas dos Estados Unidos e porta-voz do presidente Bill Clinton para assuntos ligados a drogas.




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