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JOSÉ SARNEY
Tancredo Neves: 100 anos
O TEMPO SE comporta em relação à memória dos homens de maneira contraditória: a de uns desaparece nas garoas do tempo; a de outros vai se
tornando mais nítida, liberta das
poeiras do cotidiano.
Tancredo Neves tem a sua imagem cada vez mais definida, visto
como o maior político da vida brasileira contemporânea.
Em todos os episódios que abalaram as nossas instituições em
1954, 1955, 1961, 1964 e 1985, foi ele
o responsável pela engenharia política que nos permitiu conservar o
objetivo democrático. Até mesmo
os militares diziam em suas intervenções salvacionistas que lutavam contra a realização imperfeita
dos valores da liberdade.
Em 1954, Tancredo, falando no
sepultamento de Getúlio, vence a
comoção, o ódio, a revolta e o desejo de revanche para pregar "que
minhas palavras não desejam agitar a opinião pública nem trazer
um elemento a mais para a instabilidade política da morte de Vargas". Usou o caminho contrário de
Marco Antônio pedindo vingança
pelo assassinato de César.
Em 1955, é ele quem evita que o
golpe de 11 de novembro interrompa a eleição de Juscelino. Em 1961,
na renúncia de Jânio, costura a
posse de Jango e encontra a engenhosa fórmula de um parlamentarismo de avesso. E com a mesma
habilidade restaura os poderes da
Presidência, no plebiscito que
acabou com sua própria criação
parlamentarista.
Em 1964, embora amigo pessoal
do presidente Castello Branco, nele não vota. Castello, por sua vez,
quando a linha dura pede a cassação de Tancredo, sem abrir o processo, risca na capa: "Este não!".
Em 1985, é ele o estuário para
onde correm todas as águas da liberdade. Só ele a história preparou
para essa missão de fazer a transição democrática, unindo o país e
fundando a Nova República.
Sua arma é a conciliação. Seu
ídolo é o marquês do Paraná, que
no Império fora o grande conciliador. Mas faz uma ressalva: "Sou o
conciliador que prefere fazer um
acordo a derrotar o adversário. Sou
um tático, mas em matéria de princípios não transijo".
Tancredo era um estadista que
se distinguia dos homens do seu
tempo. Ele foge do jogo partidário
para ver o país, o interesse de todos. Convivi com ele intensamente, posso testemunhar sobre seu
espírito público, sobre sua capacidade de construir pontes.
Afonso Arinos bem o definiu:
"Há homens que dão a vida pelo
país. Tancredo deu mais, deu a
morte".
E é a relíquia do seu corpo glorioso que reverenciamos nestes cem
anos do seu nascimento.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras
nesta coluna.
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