São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2010 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A questão da qualidade no ensino superior
ELLIS WAYNE BROWN
TENHO REFLETIDO sobre estratégias e políticas educacionais no ensino superior levando em conta (a) a acessibilidade das classes emergentes, (b) o nível de valor agregado possível e necessário, (c) a promoção da ascensão social e (d) o suporte ao desenvolvimento socioeconômico do país. Não obstante, a preocupação prevalecente recai reiterada e isoladamente sobre a questão da qualidade como fator único e absoluto. Se a ênfase é essa, então vamos nos debruçar sobre ela de vez, considerando suas variáveis fundamentais. Primeira variável: qualificação do aluno da rede pública. O nível de qualificação do aluno que alcança a universidade privada é, seguramente, uma das principais causas da baixa qualidade no ensino superior do país. A defasagem formativa que vem do ensino básico está comprovada na última avaliação da Unesco, que coloca o Brasil em 88º lugar no mundo, atrás de países como Paraguai e Bolívia, para citar apenas nações latino-americanas. Essa situação deriva da precariedade do ensino básico público, de onde vêm os alunos que ingressam no ensino superior privado. Já a rede superior pública, dada a limitada oferta de vagas, gratuidade e competitividade de ingresso, acolhe majoritariamente estudantes egressos da rede básica privada, o que é uma contradição. A solução efetiva desse problema está, pois, nas mãos do Estado, que, no entanto, continua transferindo para o ensino superior privado o ônus e a responsabilidade de absorver e resolver a defasagem formativa que vem do ensino básico público. Segunda variável: custo e contribuição dos meios. A literatura geral da qualidade registra que "qualquer um é capaz de gerar qualidade se não tiver que se preocupar com os custos". Para poder dimensionar o atual impacto dos custos, é preciso partir do paradigma do ensino público, em que o docente é contratado em tempo integral e recebe por 40 horas semanais, mas se obriga a ministrar apenas seis horas de aula. Com base nesse modelo, exige-se do ensino superior privado que pelo menos um terço dos docentes seja contratado em tempo integral. Usando a mesma base de atribuição de aula do ensino público, isso aumenta a folha docente em 190%. Só que, no caso do ensino privado, quem paga é o aluno, quando pode. Na iniciativa privada, para gerar viabilidade e acessibilidade de preços, qualquer despesa passa pela análise de valor agregado e é racionalizada ao máximo em função dos objetivos que se pretende atingir. Terceira variável: objetivos educacionais. É preciso que não se confundam fins com meios. Antes de dimensionar os meios, é necessário definir os objetivos. Quais são, então, os objetivos educacionais no ensino superior? A resposta que se ouve enfaticamente é "qualificar o aluno para o exercício da profissão", atrelada política e academicamente também ao exercício da cidadania e ao desenvolvimento do senso crítico. O Brasil, como bem retratou esta Folha, sofre um "apagão" de mão de obra qualificada ("Mão de obra qualificada é novo gargalo", Dinheiro, 14/2). Isso envolve, em primeiro lugar, a elaboração de um projeto pedagógico, provisionando conteúdos e habilidades que são necessárias para o exercício profissional qualificado e os meios para desenvolvê-los. E, no segundo momento, a execução do processo pedagógico pelo qual o aluno é levado a adquirir tais conteúdos e habilidades. O que não contribui efetivamente para atingir os objetivos educacionais deveria ser de pronto descartado, e mesmo o que contribui deve ser racionalizado. Quarta variável: critérios de avaliação. Nos critérios atuais de avaliação existe uma exacerbada inversão de valor entre meios e fins. No CPC (conceito preliminar de curso), apenas 30% da nota advém da avaliação do conhecimento profissional adquirido. O restante da nota deriva dos conhecimentos gerais e dos meios, e é basicamente com essa nota que se propõe avaliar a qualidade da educação, divulgada e exposta massivamente para a sociedade. Assim, os objetivos educacionais que se pretende atender ficam subordinados aos paradigmas dos meios. Em conclusão, cabe ao menos uma discussão mais objetiva sobre essas variáveis da qualidade, mas à luz da acessibilidade das classes emergentes, do nível de valor agregado possível e necessário, da promoção da ascensão social e do suporte ao desenvolvimento socioeconômico do país. Sem isso, seguiremos travando embates corporativistas e fragmentados que apenas prejudicam a sociedade. ELLIS WAYNE BROWN , formado em ciências sociais e mestre em comunicação social, é vice-reitor da Uniban Brasil. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Agripino: O que faz o DEM ser diferente Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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