|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RICARDO MELO
Alma do negócio
SÃO PAULO - Quanto mais a cúpula do Vaticano tenta abafar os escândalos de pedofilia, mais ela se
complica. Uma das cartadas recentes foi a de comparar ao antissemitismo a reprovação aos descalabros
sexuais cometidos em dioceses.
Ninguém engoliu o paralelo descabido. Mesmo porque até hoje pairam sombras, para dizer o menos,
sobre o verdadeiro papel da Igreja
Católica nos tempos do nazismo.
No domingo de Páscoa, o Vaticano mudou o discurso e simplesmente omitiu referências à tragédia
moral que corrói seu rebanho. Em
sua oração, Bento 16 foi buscar abrigo nas generalidades habituais. Disse que a humanidade precisa de
"mudanças profundas", citou desde
o narcotráfico na América Latina
até o impasse no Oriente Médio como flagelos a serem combatidos e
terminou com os apelos de sempre
ao diálogo e à convivência serena.
Aparentemente, a tática é trocar
de assunto esperando que a poeira
vá baixar. Mas vai baixar? Os fatos
caminham na direção contrária.
Não é de agora que as denúncias sobre as mazelas do povo de batina
chegam a público, e elas só têm feito
se multiplicar. Em quantidade e
gravidade. Um das mais impactantes envolveu Bento 16, acusado de
acobertar a má conduta de subordinados antes de se tornar papa.
Dizer que a pedofilia é um problema que pode acometer qualquer
instituição, como muitos católicos
têm argumentado, não faz nenhum
sentido. Equivale a afirmar que,
dentro de um hospital, sempre há o
risco de existir delinquentes seriais
em vez de pessoas dedicadas a salvar vidas, e nada pode ser feito.
Ora, os fiéis que procuram a Igreja vão atrás de conforto moral, espiritual e, muitas vezes, atrás de uma
saída derradeira para males que
não conseguem extirpar. Esta é, por
assim dizer, a alma deste negócio.
Quando se recusa a admitir, identificar e punir abusos escabrosos, a
cúpula católica acrescenta uma nova contradição a uma instituição
que adora pregar "verdades" e o
combate à miséria, mas cuja hierarquia nunca dispensou o fausto e o
sigilo sepulcral sobre seus erros.
Texto Anterior: Editoriais: Pressão sobre o Irã
Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: Marta salva o PT paulista Índice
|