São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pobres paralelos

BEREL AIZENSTEIN

O jornalista Marcos Guterman, desta Folha, escreveu um pequeno texto, com o sugestivo título "Comparações apressadas", para explicar por que alguns comentaristas de ocasião, ao tratarem da crise no Oriente Médio, não conseguem resistir "à tentação de invocar atrocidades marcantes do passado para estabelecer a dimensão desta tragédia do presente".
Ao se referir ao "velho desejo iluminista de encaixar o mundo num esquema científico de previsibilidade da história", ele cita dois casos: em entrevista, o arcebispo sul-africano Desmond Tutu julgou de bom tom achar semelhanças entre a atuação do governo de Israel e o regime de segregação racial, entre os anos 40 e 80. Por conveniência, Tutu não mencionou a ajuda fundamental que os judeus sul-africanos deram à luta contra o apartheid; e o escritor José Saramago comparou a ação das tropas de Israel a Auschwitz, merecendo pronta e definitiva resposta de Amós Oz, laureado escritor e pacifista israelense.
É evidente que o ideal seria transcrever, aqui, a íntegra das "Comparações", de Guterman, mas os leitores poderão encontrá-la na edição de 30 de abril (Mundo). Neste caso, no entanto, não sobraria espaço para comentar o artigo "Duas guerras que são uma só", do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite (Pág. A3, 28/4).
No longo texto, e contra todas as evidências, para o professor os homens-bombas que matam inocentes são fruto da humilhação imposta pelas tropas de Israel aos palestinos. Mas, quando algumas negociações visam reiniciar o diálogo, eis que o Hamas, que Oz diz pertencer à facção que chama de "Islã fanático" -e da qual o professor Rogério, por meio de um sofisma, tornou-se o mais recente e ferrenho defensor-, ameaça retomar os atentados suicidas.
Em todo o seu texto, o professor diz apenas uma coisa correta: os daqui de fora, como ele, que nunca estiveram por lá e desconhecem aquela realidade, "não têm a condição de entender e julgar". O professor emérito da Unicamp poderia, por exemplo, recorrer aos livros que contam a história recente, desde os tempos do mandato britânico.
Ele saberá, então, que a OLP, da qual Arafat foi dirigente máximo, foi criada em 1964 e exercia seu domínio sobre a faixa de Gaza e a Cisjordânia. Em vez de se preocupar em criar um Estado, juntou suas forças às da Jordânia, Egito e Síria e se lançou à aventura de varrer os judeus para o mar na guerra de 1967. Os três Estados perderam territórios e, para compensar, criaram a "questão palestina" para Israel resolver.


Infelizmente o presidente da Autoridade Palestina não elaborou um "projeto de Estado", como todos gostariam


A Jordânia, que não queria palestinos em seu território, promoveu um massacre com milhares de vítimas, conhecido como Setembro Negro. Para vingar seus mortos, os palestinos saíram pelo mundo matando judeus, como na Olimpíada de Munique, em 1973.
Além disso, infelizmente o presidente da Autoridade Palestina não elaborou um "projeto de Estado", como todos gostariam. Se esse projeto existisse, possivelmente ele teria mais aliados na Liga Árabe e mais países interessados em financiar seus programas. Seu único projeto conhecido é educacional: em todas as cartilhas das escolas palestinas, o bê-a-bá das crianças começa com a letra "M", do verbo "matar", e o sujeito é "judeus". Tanto isso é verdade que o próprio Hamas proibiu esse uso maquiavélico de adolescentes em ataques suicidas para popularizar a causa palestina.
Como é que "cidadãos (palestinos) mal armados" conseguem matar 23 soldados israelenses bem armados em Jenin? Embora isso seja estranho até para o mais ignorante em conflitos, o professor emérito também ousa comparar essa cidade palestina ao bombardeio pelos nazistas do gueto de Varsóvia, onde os combatentes usaram apenas revólveres e coquetéis molotov contra tanques, canhões e aviões alemães.
Mas o que espanta mesmo é a relação que faz entre as ações militares de Israel em cidades sob jurisdição palestina, como represália aos atos terroristas, e a violência em São Paulo. Segundo o professor Rogério Cezar, São Paulo tem o dobro da população de Israel e dez vezes mais mortes violentas do que as vítimas do terror; e, nem por isso, haverá uma guerra de extermínio nas favelas.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas a qualquer um ocorreria a pergunta inevitável: e se um bandido desvairado detonasse seu cinto de explosivos num ponto de concentração de jovens em Campinas, ou São Paulo, e -Deus nos livre- matasse 20 deles? A que se atribuiria o ato? À política econômica do governo, ao desemprego ou à má distribuição de renda? Um "intelectual", ou não, poderia dizer que não há relação entre uma coisa e outra. E não há mesmo. Mas é preciso inventar e sofismar. Ou, como diz, Guterman, "a pobreza evidente dos paralelismos como os que os problemas do Oriente Médio têm gerado é, antes de tudo, perigosa".
Apesar disso, ninguém acredita que o professor Rogério Cezar seja partidário do fanatismo de uma pequena parcela do povo palestino que prega o terror, os explosivos e as hemorragias, ingredientes que contam histórias de histerias.


Berel Aizenstein, 70, é secretário-geral da Conib (Confederação Israelita do Brasil).



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