São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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HORA DE DESPERTAR

Está em ruínas o projeto regional, centrado na Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que foi a vedete da diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva para o subcontinente. O episódio Evo Morales, que inevitavelmente deixará seqüelas no relacionamento de Brasil e Bolívia, é apenas o ruído mais recente a contribuir para a cacofonia política vigente neste canto do planeta.
Lula, passada a fase ingênua da "liderança natural" brasileira na América do Sul, agora mais parece um apagado coadjuvante de Hugo Chávez. Mas a liderança do venezuelano é divisora; para cada amigo que faz, brota um inimigo. Acaba de retirar seu embaixador do Peru. Desta feita o mentor do "bolivarianismo" entrou em atrito ruidoso com o presidente peruano, Alejandro Toledo, e o candidato a sucedê-lo Alan García.
Chávez divide a Comunidade Andina, promove o Grande Gasoduto do Sul e o papel do venezuelano como incentivador da nacionalização assinada por Morales, contra o interesse brasileiro, está por ser contado.
Não cabe ao chefe de Estado brasileiro emprestar credibilidade a tais encenações diplomáticas. O país mais populoso e industrializado da América do Sul não pode se dar ao luxo de -acalantado pelo "flash-back" terceiro-mundista que assombra o Itamaraty- perder de vista as suas prioridades regionais.
O Mercosul está em frangalhos. Não bastasse o status especial dos argentinos para romper princípios do bloco, Washington, pragmática, agora oferece vantagens comerciais que estão arrancando o Uruguai e o Paraguai do projeto, enquanto Lula sonha com o encontro místico de Bolívar e JK. O Brasil é incapaz de encaminhar a resolução de um problema de fronteira entre Argentina e Uruguai sobre a instalação de fábricas de celulose. O Itamaraty não responde ao interesse crescente de empresários brasileiros de abrir mercado em nações desenvolvidas.
Passa da hora de Brasília despertar. Fará bem o Itamaraty se retomar a sua melhor tradição de pragmatismo, incentivando a sobreposição entre os interesses comerciais das empresas do país e as posições da política externa. Cumpre voltar ao básico no Mercosul: reconstruir as pontes dinamitadas do livre comércio no bloco e deixar de lado o projeto de união aduaneira (em que o grupo se comporta como uma só nação a fim de negociar com terceiros). É tempo também de ultrapassar os preconceitos ideológicos contra a Alca e o acordo com a União Européia e acelerar esses dois processos.


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