|
Próximo Texto | Índice
Patente quebrada
O Brasil tem o direito de
licenciar droga anti-Aids
e boas razões para fazê-lo; isso não implica que
decisão seja sem custos
NÃO HÁ dúvida de que a
saúde pública deve
prevalecer sobre interesses comerciais. Assim, é em princípio correta a decisão do governo brasileiro de
quebrar a patente do anti-retroviral efavirenz (Stocrin), comercializado pelo laboratório Merck
Sharp&Dohme. No Brasil, a droga é utilizada por 75 mil pacientes de Aids (38% do total) atendidos pela rede pública.
O governo optou pelo licenciamento compulsório -nome técnico da quebra de patente- por
julgar que o desconto oferecido
pela Merck era insuficiente. Cada comprimido de 600 mg de
efavirenz saía por US$ 1,59 para
o Ministério da Saúde. O laboratório dispôs-se a baixar mais
30%. O governo considerou pouco. Na Tailândia, a mesma Merck
comercializa o mesmo efavirenz
por US$ 0,65 a unidade. O Brasil
diz que vai agora comprar o medicamento de fabricantes indianos de genéricos por US$ 0,45 o
comprimido -uma economia
anual de US$ 30 milhões.
Outro argumento que parece
ter pesado é o de que as margens
de negociação com os laboratórios vinham se estreitando. O
Brasil já ameaçara quebrar patentes de drogas anti-Aids em
2001 (nelfinavir, da Roche) e
2003 (Kaletra, da Abbott). Como
nunca concretizara tal gesto, a
indústria farmacêutica estava se
mostrando cada vez mais reticente em baixar seus preços.
A licença compulsória é referendada pela legislação brasileira no caso de emergências sanitárias ou de interesse público
(art. 71 da lei nš 9.279/96). Tal
disposição encontra amparo em
acordos internacionais, como o
Trips, que regula o direito de
propriedade intelectual.
Mesmo os EUA, país que mais
se queixa de licenciamentos
compulsórios, recentemente cogitaram de quebrar a patente do
antibiótico ciprofloxacina, manufaturada pela Bayer, quando
estiveram às voltas com ataques
de antraz, após o 11 de Setembro.
Só que o fato de o Brasil ter o
direito de quebrar a patente e algumas boas razões para fazê-lo
não significa automaticamente
que a decisão seja sem custos. No
curto prazo, poderemos sofrer
retaliações legítimas de laboratórios. A exemplo do que já fizeram com outras nações que emitiram licenças compulsórias,
eles poderão deixar de lançar por
aqui seus novos produtos, privando portadores das mais variadas moléstias de drogas potencialmente úteis.
Não se pode esquecer que a indústria farmacêutica -apesar de
todos os recentes casos pouco
abonadores em que se meteu-
responde por parte da pesquisa
médica e pelo principal do desenvolvimento de novos princípios ativos. Não interessa a ninguém quebrá-la, o que fatalmente ocorreria se todo medicamento útil se tornasse "patrimônio
da humanidade", como quer o
presidente Lula.
Próximo Texto: Editoriais: Exportações e câmbio
Índice
|