São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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Patente quebrada

O Brasil tem o direito de licenciar droga anti-Aids e boas razões para fazê-lo; isso não implica que decisão seja sem custos

NÃO HÁ dúvida de que a saúde pública deve prevalecer sobre interesses comerciais. Assim, é em princípio correta a decisão do governo brasileiro de quebrar a patente do anti-retroviral efavirenz (Stocrin), comercializado pelo laboratório Merck Sharp&Dohme. No Brasil, a droga é utilizada por 75 mil pacientes de Aids (38% do total) atendidos pela rede pública.
O governo optou pelo licenciamento compulsório -nome técnico da quebra de patente- por julgar que o desconto oferecido pela Merck era insuficiente. Cada comprimido de 600 mg de efavirenz saía por US$ 1,59 para o Ministério da Saúde. O laboratório dispôs-se a baixar mais 30%. O governo considerou pouco. Na Tailândia, a mesma Merck comercializa o mesmo efavirenz por US$ 0,65 a unidade. O Brasil diz que vai agora comprar o medicamento de fabricantes indianos de genéricos por US$ 0,45 o comprimido -uma economia anual de US$ 30 milhões.
Outro argumento que parece ter pesado é o de que as margens de negociação com os laboratórios vinham se estreitando. O Brasil já ameaçara quebrar patentes de drogas anti-Aids em 2001 (nelfinavir, da Roche) e 2003 (Kaletra, da Abbott). Como nunca concretizara tal gesto, a indústria farmacêutica estava se mostrando cada vez mais reticente em baixar seus preços.
A licença compulsória é referendada pela legislação brasileira no caso de emergências sanitárias ou de interesse público (art. 71 da lei nš 9.279/96). Tal disposição encontra amparo em acordos internacionais, como o Trips, que regula o direito de propriedade intelectual.
Mesmo os EUA, país que mais se queixa de licenciamentos compulsórios, recentemente cogitaram de quebrar a patente do antibiótico ciprofloxacina, manufaturada pela Bayer, quando estiveram às voltas com ataques de antraz, após o 11 de Setembro.
Só que o fato de o Brasil ter o direito de quebrar a patente e algumas boas razões para fazê-lo não significa automaticamente que a decisão seja sem custos. No curto prazo, poderemos sofrer retaliações legítimas de laboratórios. A exemplo do que já fizeram com outras nações que emitiram licenças compulsórias, eles poderão deixar de lançar por aqui seus novos produtos, privando portadores das mais variadas moléstias de drogas potencialmente úteis.
Não se pode esquecer que a indústria farmacêutica -apesar de todos os recentes casos pouco abonadores em que se meteu- responde por parte da pesquisa médica e pelo principal do desenvolvimento de novos princípios ativos. Não interessa a ninguém quebrá-la, o que fatalmente ocorreria se todo medicamento útil se tornasse "patrimônio da humanidade", como quer o presidente Lula.


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