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MELCHIADES FILHO
Reino Tão, Tão Distante
BRASÍLIA - Sátiras políticas, referências a questões globais, menções
a celebridades, metalinguagem. A
indústria do desenho animado pega
pesado para entreter o pai que é arrastado ao cinema.
Veja, por exemplo, uma rápida
cena de "Madagascar" (2005), sobre a viagem de animais do zôo de
Nova York à África. O chefe dos pingüins que tomaram o comando de
um navio se vira para um subalterno e ordena: "Assuma, Kowalski!".
O que, para a criança, não passa
de um punhado de consoantes, para
o adulto criado defronte à TV é gatilho de gargalhadas. A menção ao
marujo coadjuvante de "Viagem ao
Fundo do Mar" faz esquecer a tola
meia hora anterior. "Ah, esse filme
foi feito pra mim!", o sujeito vibra.
O estúdio vibra mais. É crucial estabelecer contato com aquele que
pagará, além do ingresso e da pipoca em volume bestial, os brinquedos, o DVD e demais derivados.
Por isso o enredo é cada vez mais
relegado ao segundo plano, como
em "Shrek 3", que estréia na semana que vem e será programa obrigatório de férias do pai que puder encarar a bilheteria dos multiplexes.
Na penúltima edição da revista
"New Yorker", David Denby lamenta a opção pela colagem de sarcasmos e reclama a volta das borboletas, anõezinhos e fadas bondosas.
O novo milênio é mais cruel que
as madrastas tirânicas e as bruxas
traiçoeiras da era de ouro da Disney, conclui o crítico, pois sonega o
faz-de-conta. Meninos de sete anos
são tratados como adultos.
Algo similar ocorre na política no
Brasil. As questões de fundo, institucionais, o debate do bem público,
o resguardo da lei e a defesa da democracia estão hoje fora do roteiro.
O jovem eleitor é apresentado ao
escracho antes do sonho, à paródia
antes da informação.
E lá vem piada pronta, tosca. Taras de senador, cervejinhas de governador, picanha no pescoço, ponto G... Um filme cujo final só é feliz
para grosseirões como Shrek.
mfilho@folhasp.com.br
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