São Paulo, sábado, 05 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil está bem preparado para reagir ao aumento da inflação mundial?

NÃO

Um teste difícil para o Brasil

PAULO TENANI

A INFLAÇÃO está, mais uma vez, de volta à pauta. A boa notícia é que uma parte do atual surto inflacionário é conseqüência de uma mudança de preços relativos na economia mundial que favorece enormemente o Brasil. A má notícia é que, com um déficit em conta corrente já na casa dos 1,1% do PIB -e crescendo rapidamente-, o Brasil apresenta, domesticamente, claros sinais de inflação de demanda. E, desta vez, no combate à inflação, o Banco Central terá de abdicar de seu instrumento mais poderoso: a apreciação cambial.
O cenário não é tranqüilo. No Brasil, uma vez ajustada pelo câmbio, a demanda agregada é pouco sensível a variações na taxa de juros. É justamente isso que seria de esperar de um país que sempre conviveu com uma realidade de juros altos e cuja economia ainda é pouco alavancada. Nesse sentido, sem uma apreciação cambial, os juros teriam de subir mais do que proporcionalmente.
No caso específico do Brasil, com excesso de demanda na casa de 1,1% do PIB, os números assustam. Nessas condições, sem a ajuda do câmbio, para a inflação ficar dentro da meta, a Selic deveria subir bem mais que os 14,25% esperados pelo mercado. Isso acontecerá? Possivelmente não, e o resultado final deve ser uma combinação entre Selic acima das expectativas e inflação acima da meta. Portanto, as incertezas são muitas.
Mas qual o motivo para o ciclo de apreciação do real estar próximo do fim? Existem várias forças determinando a taxa de câmbio no Brasil -algumas apontando para um real mais forte, outras para um real mais fraco. Tais forças podem, talvez, se cancelar.
Do lado da apreciação do real, está o BC, pois a Selic segue consideravelmente mais alta que as taxas de juros em dólares da dívida externa soberana. Ou seja, apesar do IOF de 1,5%, o diferencial de juros é generoso e mais que compensa os investidores dispostos a tomar risco cambial no país. Do lado do real mais fraco, a conta corrente deve convergir para 2% do PIB em 2009 e, pelos cálculos de paridade do poder de compra, o Brasil há muito deixou de ser um país barato.
A novidade está em uma nova força, decorrente do cenário de inflação mundial, que também aponta para um real mais fraco: a movimentação do dólar nos mercados globais.
O argumento é o seguinte. Até recentemente, a maior parte do ajuste no déficit em conta corrente americano aconteceu por meio da depreciação do dólar perante as moedas de taxas flexíveis, sobretudo o euro e a libra esterlina, mas também o real. As moedas asiáticas, todas com câmbio fixo ou controlado, quase não contribuíam para esse ajuste, que acabou, portanto, ocorrendo mais do que proporcionalmente nas moedas flexíveis. Porém, esse "overshooting" do euro, da libra e do real pode estar prestes a mudar. Ocorre que os países asiáticos, agora experimentando um cenário de inflação mais alta, mas ainda com fortes superávits em conta corrente, devem, cedo ou tarde, permitir que suas moedas se apreciem.
Foi justamente essa a estratégia do Brasil, que, desde 2003, usou a apreciação cambial, na presença de superávits em conta corrente, para manter a inflação dentro da meta. O problema é que, na medida em que o mercado começa a esperar que as moedas asiáticas se apreciem, a pressão excedente sobre as moedas flexíveis que até então fizeram a maior parte do ajuste passa a se extinguir. Portanto, no novo cenário de inflação global, o dólar deve se depreciar perante as moedas asiáticas e, talvez, apreciar perante o euro, a libra esterlina e o real. Ou seja, mais uma força apontando para o fim do processo de apreciação cambial no Brasil.
Em conclusão, o Brasil enfrenta hoje um surto inflacionário mais forte que o de 2004-2005 e possivelmente não contará com ajuda suficiente do câmbio no combate à inflação. Para um país cuja demanda agregada, ajustada pelo câmbio, é pouco sensível aos juros, essa é uma situação particularmente delicada. Nessas circunstâncias, para manter a inflação dentro da meta, a política fiscal deveria vir em socorro da monetária. Mas estaria a política econômica brasileira já suficientemente madura para tanto?


PAULO TENANI é chefe de pesquisa para a América Latina do UBS Pactual Wealth Management e professor de finanças internacionais da Fundação Getulio Vargas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Antonio Corrêa de Lacerda: A mão que afaga é a mesma que apedreja

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.