|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil está bem preparado para reagir
ao aumento da inflação mundial?
NÃO
Um teste difícil para o Brasil
PAULO TENANI
A INFLAÇÃO está, mais uma vez,
de volta à pauta. A boa notícia é
que uma parte do atual surto
inflacionário é conseqüência de uma
mudança de preços relativos na economia mundial que favorece enormemente o Brasil. A má notícia é que,
com um déficit em conta corrente já
na casa dos 1,1% do PIB -e crescendo
rapidamente-, o Brasil apresenta,
domesticamente, claros sinais de inflação de demanda. E, desta vez, no
combate à inflação, o Banco Central
terá de abdicar de seu instrumento
mais poderoso: a apreciação cambial.
O cenário não é tranqüilo. No Brasil, uma vez ajustada pelo câmbio, a
demanda agregada é pouco sensível a
variações na taxa de juros. É justamente isso que seria de esperar de um
país que sempre conviveu com uma
realidade de juros altos e cuja economia ainda é pouco alavancada. Nesse
sentido, sem uma apreciação cambial,
os juros teriam de subir mais do que
proporcionalmente.
No caso específico do Brasil, com
excesso de demanda na casa de 1,1%
do PIB, os números assustam. Nessas
condições, sem a ajuda do câmbio, para a inflação ficar dentro da meta, a
Selic deveria subir bem mais que os
14,25% esperados pelo mercado. Isso
acontecerá? Possivelmente não, e o
resultado final deve ser uma combinação entre Selic acima das expectativas e inflação acima da meta. Portanto, as incertezas são muitas.
Mas qual o motivo para o ciclo de
apreciação do real estar próximo do
fim? Existem várias forças determinando a taxa de câmbio no Brasil -algumas apontando para um real mais
forte, outras para um real mais fraco.
Tais forças podem, talvez, se cancelar.
Do lado da apreciação do real, está o
BC, pois a Selic segue consideravelmente mais alta que as taxas de juros
em dólares da dívida externa soberana. Ou seja, apesar do IOF de 1,5%, o
diferencial de juros é generoso e mais
que compensa os investidores dispostos a tomar risco cambial no país.
Do lado do real mais fraco, a conta
corrente deve convergir para 2% do
PIB em 2009 e, pelos cálculos de paridade do poder de compra, o Brasil há
muito deixou de ser um país barato.
A novidade está em uma nova força,
decorrente do cenário de inflação
mundial, que também aponta para
um real mais fraco: a movimentação
do dólar nos mercados globais.
O argumento é o seguinte. Até recentemente, a maior parte do ajuste
no déficit em conta corrente americano aconteceu por meio da depreciação do dólar perante as moedas de taxas flexíveis, sobretudo o euro e a libra esterlina, mas também o real. As
moedas asiáticas, todas com câmbio
fixo ou controlado, quase não contribuíam para esse ajuste, que acabou,
portanto, ocorrendo mais do que proporcionalmente nas moedas flexíveis.
Porém, esse "overshooting" do euro, da libra e do real pode estar prestes a mudar. Ocorre que os países
asiáticos, agora experimentando um
cenário de inflação mais alta, mas ainda com fortes superávits em conta
corrente, devem, cedo ou tarde, permitir que suas moedas se apreciem.
Foi justamente essa a estratégia do
Brasil, que, desde 2003, usou a apreciação cambial, na presença de superávits em conta corrente, para manter a inflação dentro da meta.
O problema é que, na medida em
que o mercado começa a esperar que
as moedas asiáticas se apreciem, a
pressão excedente sobre as moedas
flexíveis que até então fizeram a
maior parte do ajuste passa a se extinguir. Portanto, no novo cenário de inflação global, o dólar deve se depreciar perante as moedas asiáticas e, talvez, apreciar perante o euro, a libra
esterlina e o real. Ou seja, mais uma
força apontando para o fim do processo de apreciação cambial no Brasil.
Em conclusão, o Brasil enfrenta hoje um surto inflacionário mais forte
que o de 2004-2005 e possivelmente
não contará com ajuda suficiente do
câmbio no combate à inflação. Para
um país cuja demanda agregada, ajustada pelo câmbio, é pouco sensível
aos juros, essa é uma situação particularmente delicada. Nessas circunstâncias, para manter a inflação dentro da meta, a política fiscal deveria vir
em socorro da monetária. Mas estaria
a política econômica brasileira já suficientemente madura para tanto?
PAULO TENANI é chefe de pesquisa para a América Latina do UBS Pactual Wealth Management e professor de finanças internacionais da Fundação Getulio Vargas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Antonio Corrêa de Lacerda: A mão que afaga é a mesma que apedreja Índice
|