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OTAVIO FRIAS FILHO
Fim das ideologias
Na campanha eleitoral que levou Lula à Presidência -quando
a atriz Regina Duarte era estigmatizada por exercer seu direito a ter e a expressar opiniões-, cogitava-se de
três riscos implicados na vitória do
PT. O primeiro era o de que um governo petista caísse na tentação de praticar demagogia populista, produzindo
a volta da inflação, o descontrole das
contas do Estado e mais crise social.
Esse foi o percurso habitual nas poucas vezes em que forças de esquerda
chegaram ao poder central em países
latino-americanos. Agora mesmo, na
vizinha Venezuela, o presidente Hugo
Chávez repete o roteiro, ao preço de
dividir o país em duas metades irreconciliáveis, prevalecendo-se de um
impasse que ele mesmo insuflou, auxiliado pela intransigência golpista da
frente de oposição a seu regime.
Mas esse risco, que parecia o mais
presente no caso brasileiro, foi afastado desde o início da gestão pela política econômica do governo Lula. Sem
que muitos dos eleitores se dessem
conta e para surpresa das bases do
partido, a cúpula do PT se mostrou
muito mais comprometida do que se
imaginava com os fundamentos da
economia de mercado e com o receituário liberal para fazê-la funcionar.
Restavam outros dois riscos, um deles vislumbrado em ambientes de esquerda, o outro brandido pela direita
ainda temerosa quanto ao que esperar
de uma administração petista. Na esquerda, imagina-se que as concessões
para eleger Lula e mantê-lo no poder
diluiriam o sentido de sua vitória eleitoral e mutilariam a "missão" histórica do partido de fazer mudanças.
Na direita, além da ameaça populista, receava-se que o know-how leninista dos dirigentes do PT os habilitasse a se incrustar no Estado após a conquista de sua chefia. Temia-se que o
partido viesse a "aparelhar" o Estado,
substituindo nosso velho patrimonialismo político por uma nova variante,
sindical-partidária, do mesmo fenômeno -que Raimundo Faoro situou
na origem da formação brasileira.
Essas duas possibilidades não se excluíam. Num caso típico de ironia da
História, o tempo demonstrou que
elas poderiam combinar-se para formar o cerne do que está sendo o governo Lula. O pressuposto é uma política econômica ortodoxa, que satisfaça o mercado financeiro, mantenha a
ciranda entre juros e dívida e garanta a
simpatia de grandes financiadores de
campanhas eleitorais.
O noticiário recente expôs vários
episódios, de diferentes dimensões, a
sugerir que o aparelhamento do Estado segue em ritmo acelerado. Ele é feito em nome de uma antiga retórica,
abandonada há muito para efeitos
reais, mas que ainda rende dividendos
de imagem: este governo é diferente
dos demais (em quê?), é preciso protegê-lo dos ataques da direita (como, se
a direita em peso o apóia?) etc.
O Brasil já havia gerado mais essa
peculiaridade: um partido socialista
que em poucos anos aderiu à mentalidade liberal sem passar pelas lentas
etapas intermediárias dessa evolução
à européia. Produz agora um partido
que se comporta como se ainda fosse
uma facção de esquerda, voltada, porém, a objetivos que nem são de direita, mas se resumem cada vez mais à
mera conservação do poder.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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