São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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Editoriais

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COMO QUE A dar materialidade aos temores relativos ao sigilo telefônico que esta página enunciava na semana passada, reportagem publicada pela Folha no domingo mostrou que a Polícia Federal teve acesso irrestrito ao cadastro de todas as ligações feitas no país.
É até compreensível que policiais estejam ávidos para pôr as mãos nesse manancial de informações. Mas é inadmissível que a Justiça os autorize a ter acesso ao histórico de telefonemas de qualquer assinante do país. Nos termos da lei que regulamenta o sigilo telefônico, este só pode ser violado mediante ordem judicial, cuja concessão exige "indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal" e a demonstração de que essa é única forma de produzir provas.
Magistrados federais que têm autorizado a PF a consultar o sistema se amparam numa lacuna da legislação. A lei nada fala sobre o acesso global ao cadastro de assinantes, simplesmente porque essa tecnologia não existia em 1996, quando a norma entrou em vigor.
É evidente, entretanto, que a prática fere gravemente o espírito da lei, que apenas admite levantar o sigilo constitucional sobre dados e comunicações telefônicas em último caso. Deve-se aproveitar o súbito interesse do governo Lula em aprovar um novo projeto de lei de escuta telefônica para nele incluir um mecanismo que vede explicitamente esse acesso indiscriminado ao sistema.
A difícil busca pelo equilíbrio entre o direito da sociedade de proteger-se contra bandidos e o direito de cada cidadão à intimidade e à vida privada não pode prescindir de instrumentos que limitem o poder do Estado de agir contra os cidadãos.
Cabe à Justiça decidir caso a caso quando a medida de exceção se justifica. É essa filtragem que, na ânsia de combater o crime e a corrupção, muitos magistrados estão deixando de fazer.


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