São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Uma ponte entre dois mundos
WALTER BELIK
O Estado brasileiro não tem fôlego político, nem recursos, para reverter esse quadro sozinho. É preciso um conjunto de iniciativas -emergenciais e estruturais- de longa duração, pactuadas com toda a sociedade e combinadas com a retomada do desenvolvimento, para reverter essa herança . O diagnóstico acima tornou-se quase consensual ao longo dos debates travados em torno do Fome Zero. É preciso que se dê a isso seu verdadeiro nome e peso: trata-se de um valioso cabedal político. Um patrimônio que legitima a ação do governo e sacode a inércia da sociedade. Hoje o combate à fome é uma prioridade estruturada, de abrangência suprapartidária e natureza extra-eleitoral. Os canais estão montados:o Mesa (Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar) e o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) têm função institucional articuladora. Formulam e coordenam as ações do governo e da sociedade contra a fome. Além disso, existem hoje Conseas locais em 20 Estados e 51 municípios. É um requisito de acesso a várias políticas sociais. Da mesma forma, temos comitês gestores instalados em cada um dos 1.191 municípios do semi-árido nordestino onde funciona o Programa do Cartão-Alimentação. Organizar a comunidade local é um passaporte para ingresso no programa e só isso já desautoriza a suposição de que se trata de mero assistencialismo conformista. Do lado da sociedade civil há centenas de entidades atuantes, entre as quais a ONG Apoio Fome Zero, criada pelo empresariado brasileiro no início de julho. Nessa primeira etapa, "o caminhante fez o caminho ao andar", como diria o poeta. Mas o saldo prático supera todas as expectativas. O Cartão-Alimentação, carro-chefe de transferência de renda do Fome Zero, atingiu cerca de 800 municípios e mais de 600 mil famílias até agosto. Compare-se com o Bolsa-Alimentação - programa implantado de cima para baixo, pelo Ministério da Saúde, no governo anterior. Em período semelhante, estava presente em 600 municípios e só transferia 123 mil bolsas. É incrível como se consegue avançar mais com democracia e participação popular: o Fome Zero não apenas superou essa marca, como terminará o ano com 1,5 milhão de famílias beneficiadas nas regiões Norte e Nordeste. O feito é mais notável ainda se considerarmos que foi alcançado por um ministério recém-criado -na verdade, apenas um gabinete de ministro extraordinário com equipe reduzidíssima, encarregada de um amplo programa de segurança alimentar. Uma linha divisória foi ultrapassada: quebrou-se a inércia e a indiferença diante do precipício que dividia o Brasil em dois mundos -o dos cidadãos e o dos exilados- dentro do próprio país. Agora é lançar novas amarras. E estabelecer uma sólida ponte para o trânsito do comboio que vai conduzir o Brasil a um inadiável destino, o da justiça social. Walter Belik, 48, professor livre-docente de economia da Unicamp e um dos idealizadores do Programa Fome Zero, é diretor-superintendente da ONG Apoio Fome Zero . Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cláudia Costin: A imagem, o som e a fúria Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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