São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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Pelo controle do tabaco

JOSÉ GOMES TEMPORÃO

A ciência já demonstrou exaustivamente que o tabagismo é uma doença que causa dependência e leva milhões de pessoas a desenvolverem câncer, infarto, enfisema e dezenas de outras doenças graves e fatais. Já foi demonstrado cientificamente que o tabagismo também é uma doença pediátrica, pois a idade média da iniciação é 15 anos. É uma epidemia que mata anualmente 5 milhões de pessoas em todo o mundo. Destas, 200 mil são brasileiras.
Os graves danos causados pelo tabaco exigiram medidas urgentes em nível internacional. Em maio de 2003, 192 países-membros das Nações Unidas assinaram o primeiro tratado mundial em saúde pública: a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco. O Brasil foi um dos líderes desse movimento e o segundo país a assinar a convenção. Isso reforça a nossa imagem como uma das nações mais criteriosas e rigorosas no combate ao fumo. Somos, por meio do Instituto Nacional de Câncer, centro colaborador do Programa de Controle do Consumo de Tabaco da Organização Mundial da Saúde.
No entanto todo esse pioneirismo pode resultar em nada se os brasileiros, neste momento, não voltarem os olhos para Brasília. O documento precisa ser ratificado pelo Congresso para que o Brasil se torne Estado-parte dele. Em maio deste ano o texto da convenção foi aprovado na íntegra pela Câmara dos Deputados, em votação de caráter urgentíssimo. De lá foi encaminhado para o Senado, onde está tramitando agora. Até o momento, 29 países já ratificaram a convenção. Com só mais 11 assinaturas ela entrará em vigor. No passo em que o processo de ratificação tem andado, é possível que não estejamos incluídos entre essas 40 nações. Isso seria um retrocesso para um país que liderou esse processo e que tem um Programa Nacional para Controle do Tabagismo forte e abrangente, com resultados bastante positivos quanto à redução do consumo e reconhecido internacionalmente.
O relatório do senador Fernando Bezerra (PTB-RN) já está pronto e é favorável à ratificação da convenção-quadro. Foi apresentado à Comissão de Relações


É importante que todos procurem entender a quem interessa que o Brasil não faça parte da convenção-quadro

Exteriores no último dia 26. No entanto a engrenagem bilionária da indústria do tabaco no Brasil, ao que tudo indica, já começou a funcionar. Ao chegar ao Senado, segmentos que defendem os interesses da indústria conseguiram, com argumentos desenvolvimentistas tão falsos quanto as propagandas de cigarro, convencer aquela Casa a retirar o caráter de urgência do mesmo. O senador Sérgio Zambiasi (PTB), do Rio Grande do Sul, Estado que é um dos maiores produtores de fumo no mundo, solicitou uma audiência pública para atender, segundo ele, a solicitações dos fumicultores gaúchos. Eles querem saber detalhes sobre a convenção-quadro. Isso pode atrasar a votação em mais de um mês.
É importante que se diga que os produtores de fumo no Brasil trabalham em pequenas lavouras e estão expostos à pesadíssima carga de agrotóxicos que são obrigados, pela indústria, a utilizar. O trabalho infantil na lavoura do fumo é uma rotina. As doenças, inclusive a intoxicação provocada pela folha do tabaco verde, são constantes. Mesmo assim, a convenção-quadro não pretende ditar normas para a redução do plantio, e sim criar alternativas economicamente viáveis para os fumicultores, o que está expresso em seu artigo 17. É um movimento que já existe no Rio Grande do Sul, e quem trocou a lavoura do fumo por outro tipo de produção está satisfeito. Mais: pesquisa feita pela Universidade de Santa Cruz do Sul demonstra que a maioria dos produtores anseia por uma atividade mais rentável e saudável.
A convenção-quadro visa "proteger a população mundial e suas gerações futuras das devastadoras conseqüências do consumo de tabaco" e, dessa forma, tentar barrar uma projeção assustadora da OMS: se nada for feito, o número de fumantes subirá nos próximos 20 anos para 1,7 bilhão. Com isso, as mortes, ainda segundo a OMS, aumentarão em 100%, sendo que 70% delas ocorrerão em países pobres, onde estão concentrados 80% dos fumantes do mundo.
Por isso é importante que todos procurem entender a quem interessa que o Brasil não faça parte da convenção-quadro. Seria ao povo brasileiro, ou a uma minoria que se beneficia da dependência e da morte precoce de milhões de pessoas e explora a mão-de-obra barata e a ingenuidade do elo mais frágil da cadeia produtiva, os fumicultores?
Hoje nenhum governo pode mais fechar os olhos para a questão do tabaco, pois ela está presente, ultrapassando fronteiras, invadindo os espaços, sejam eles ricos ou pobres, captando jovens de todas as idades, crenças, religiões e níveis sociais e econômicos. O tabaco causa prejuízo para o Brasil; precisamos ratificar brevemente essa convenção, antes que interesses comerciais de uma minoria se sobreponham aos interesses da nossa nação.

José Gomes Temporão, 52, médico, professor do Departamento de Administração e Planejamento de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, é diretor-geral do Inca (Instituto Nacional de Câncer).


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