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TENDÊNCIAS/DEBATES
Pé vermelho! Mãos limpas!
CLÁUDIO WEBER ABRAMO e MÁRCIO ALMEIDA
Depois de amanhã, domingo, em
Praga, capital da República Tcheca, a Transparência Internacional fará a
entrega de seu Prêmio de Integridade
2001. O prêmio distingue iniciativas
particularmente criativas, inovadoras
ou corajosas que tenham exercido influência sobre os níveis de corrupção
em determinada cidade ou região e que
possuam o potencial de estimular ações
semelhantes em outros locais.
Concorrentes de todo o mundo se inscrevem para o prêmio. Apenas duas iniciativas serão contempladas. Uma delas, indicada pela Transparência Brasil,
é paranaense.
Os agraciados com o prêmio conferido ao Brasil: a Promotoria Especial de
Defesa do Patrimônio Público de Londrina e o Movimento pela Moralização
na Administração Pública da cidade.
O motivo: de 1999 a 2000, o Ministério
Público de Londrina abriu dezenas de
investigações contra integrantes da prefeitura da cidade. Encabeçava a lista o
então prefeito, Antônio Belinati. O trabalho dos promotores começou a incomodar e eles passaram a ser alvo de
pressões, tentativas de descrédito, dificultações variadas, acusações de agir
por interesse político, intimidação de
testemunhas e ameaças físicas.
Ou seja, o usual.
Em reação a isso, os promotores fizeram algo pouco usual: pediram apoio à
comunidade. Passaram a convidar os líderes da sociedade civil para tomar conhecimento das evidências que se acumulavam contra a administração.
Indignadas com o que lhes era apresentado, as entidades de Londrina
(mais de 80, de diferentes inclinações e
setores) formaram o Movimento pela
Moralização da Administração Pública
da cidade, apelidando-o de "Pé vermelho! Mãos limpas!", em alusão à cor da
terra da região e à famosa iniciativa italiana "mani puliti".
O caso de Londrina (PR)
mostra como a sociedade
civil pode colaborar
com o aperfeiçoamento
da vida pública
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Enquanto os promotores prosseguiam com seu trabalho, o movimento
empolgou a cidade com uma série contínua de manifestações, atos públicos e
cobranças. Seu palco de todos os sábados era o Calçadão, via de pedestres no
centro de Londrina. Criou-se um jornalzinho, boletins e panfletos passaram
a ser distribuídos e camisetas com o
símbolo do pé vermelho começaram a
vestir as pessoas.
Um agudo senso de comunicação
com o público governou a ação do movimento: no Calçadão, eles promoveram um banho de lama, a varrição do
pavimento por uma falange de padres, a
instalação de uma rocha de 1 t, simbolizando o peso da questão, a inauguração
de uma placa nessa rocha e outros eventos. A imprensa local, que inicialmente
não dera espaço às acusações contra o
prefeito, passou a cobrir o assunto.
Os lances seguintes aconteceram na
Câmara de Vereadores. Uma comissão
especial de investigação para esclarecer
as ações da administração deu em nada.
A oposição insistiu e instalou uma segunda comissão, que recomendou a
cassação do prefeito. Levado ao plenário, o pedido de cassação foi aprovado,
após uma sessão que durou 46 horas.
O caso de Londrina mostra como a
sociedade civil organizada pode colaborar com o aperfeiçoamento da vida pública. Não agindo isoladamente, como
se o Estado não existisse ou fosse considerado irremediavelmente incompetente (como imaginam tantas pessoas
bem intencionadas, mas nem por isso
menos equivocadas), mas estabelecendo uma parceria com o poder público.
Essa é a estratégia que a Transparência Brasil adota em sua atuação, o que
motivou a indicação de Londrina para o
Prêmio Internacional de Integridade
2001. A concessão do prêmio é um importante incentivo a essa estratégia.
Cláudio Weber Abramo, matemático pela USP
e mestre em lógica e filosofia da ciência pela
Unicamp, é secretário-geral da Transparência
Brasil. Márcio Almeida, médico e professor da
Universidade Estadual de Londrina, é membro
do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.
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