São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pé vermelho! Mãos limpas!

CLÁUDIO WEBER ABRAMO e MÁRCIO ALMEIDA

Depois de amanhã, domingo, em Praga, capital da República Tcheca, a Transparência Internacional fará a entrega de seu Prêmio de Integridade 2001. O prêmio distingue iniciativas particularmente criativas, inovadoras ou corajosas que tenham exercido influência sobre os níveis de corrupção em determinada cidade ou região e que possuam o potencial de estimular ações semelhantes em outros locais.
Concorrentes de todo o mundo se inscrevem para o prêmio. Apenas duas iniciativas serão contempladas. Uma delas, indicada pela Transparência Brasil, é paranaense.
Os agraciados com o prêmio conferido ao Brasil: a Promotoria Especial de Defesa do Patrimônio Público de Londrina e o Movimento pela Moralização na Administração Pública da cidade.
O motivo: de 1999 a 2000, o Ministério Público de Londrina abriu dezenas de investigações contra integrantes da prefeitura da cidade. Encabeçava a lista o então prefeito, Antônio Belinati. O trabalho dos promotores começou a incomodar e eles passaram a ser alvo de pressões, tentativas de descrédito, dificultações variadas, acusações de agir por interesse político, intimidação de testemunhas e ameaças físicas.
Ou seja, o usual.
Em reação a isso, os promotores fizeram algo pouco usual: pediram apoio à comunidade. Passaram a convidar os líderes da sociedade civil para tomar conhecimento das evidências que se acumulavam contra a administração.
Indignadas com o que lhes era apresentado, as entidades de Londrina (mais de 80, de diferentes inclinações e setores) formaram o Movimento pela Moralização da Administração Pública da cidade, apelidando-o de "Pé vermelho! Mãos limpas!", em alusão à cor da terra da região e à famosa iniciativa italiana "mani puliti".


O caso de Londrina (PR) mostra como a sociedade civil pode colaborar com o aperfeiçoamento da vida pública
Enquanto os promotores prosseguiam com seu trabalho, o movimento empolgou a cidade com uma série contínua de manifestações, atos públicos e cobranças. Seu palco de todos os sábados era o Calçadão, via de pedestres no centro de Londrina. Criou-se um jornalzinho, boletins e panfletos passaram a ser distribuídos e camisetas com o símbolo do pé vermelho começaram a vestir as pessoas.
Um agudo senso de comunicação com o público governou a ação do movimento: no Calçadão, eles promoveram um banho de lama, a varrição do pavimento por uma falange de padres, a instalação de uma rocha de 1 t, simbolizando o peso da questão, a inauguração de uma placa nessa rocha e outros eventos. A imprensa local, que inicialmente não dera espaço às acusações contra o prefeito, passou a cobrir o assunto.
Os lances seguintes aconteceram na Câmara de Vereadores. Uma comissão especial de investigação para esclarecer as ações da administração deu em nada. A oposição insistiu e instalou uma segunda comissão, que recomendou a cassação do prefeito. Levado ao plenário, o pedido de cassação foi aprovado, após uma sessão que durou 46 horas.
O caso de Londrina mostra como a sociedade civil organizada pode colaborar com o aperfeiçoamento da vida pública. Não agindo isoladamente, como se o Estado não existisse ou fosse considerado irremediavelmente incompetente (como imaginam tantas pessoas bem intencionadas, mas nem por isso menos equivocadas), mas estabelecendo uma parceria com o poder público.
Essa é a estratégia que a Transparência Brasil adota em sua atuação, o que motivou a indicação de Londrina para o Prêmio Internacional de Integridade 2001. A concessão do prêmio é um importante incentivo a essa estratégia.


Cláudio Weber Abramo, matemático pela USP e mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é secretário-geral da Transparência Brasil. Márcio Almeida, médico e professor da Universidade Estadual de Londrina, é membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.




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