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Crime passional
LUIZA NAGIB ELUF
Os casos de crime passional que chegam aos tribunais mostram peculiaridades de gênero na ocorrência desse tipo de homicídio
COM O recente assassinato do
coronel Ubiratan Guimarães e a
possibilidade de que o crime tenha sido passional, torna-se oportuno
fazer algumas considerações sobre
esse tipo de delito.
Entende-se por passional o homicídio praticado por ciúme, por possessividade, pela incapacidade de aceitação do fim de um relacionamento
amoroso. Em geral, é uma conduta
própria do homem, que se sente possuidor da mulher e com direito de vida e morte sobre ela.
É natural que tenha sido assim, como regra geral, pois o patriarcalismo
criou uma situação desigual entre os
gêneros masculino e feminino, pondo
a mulher em posição de subalternidade em relação ao seu companheiro.
Porém, toda regra tem exceções.
Por vezes, acontece de a mulher matar o companheiro ou ex-companheiro também movida pelo inconformismo com o final da relação.
O modo de agir da mulher, contudo,
difere bastante da conduta masculina. Os casos que chegam aos tribunais
mostram peculiaridades de gênero na
ocorrência desse tipo de homicídio.
O homem que decide matar a companheira ou namorada costuma planejar sua ação com bastante antecedência, de modo a pegar a vítima de
surpresa e evitar qualquer erro na
execução de seu intento.
Assim aconteceu, por exemplo,
com Pimenta Neves, que matou Sandra Gomide em um haras no município de Ibiúna (SP) quando a moça se
encontrava em momento de lazer e
não esperava uma agressão. O mesmo
se pode dizer de Pontes Visgueiro,
Eduardo Gallo, Lindomar Castilho,
Guilherme de Pádua e muitos outros
homicidas passionais que premeditaram cuidadosamente suas ações, de
forma que suas vítimas não tiveram
possibilidade de escapar do ataque.
Já Dorinha Duval não planejou matar seu companheiro, Paulo Alcântara. Ela teve uma reação impulsiva durante uma discussão conjugal recheada de insultos. Dorinha não tinha
uma arma. No embate final, usou a da
vítima, uma arma que o próprio companheiro colocara nas mãos dela. Assim também ocorreu com Zulmira
Galvão Bueno, que, em 1950, matou
seu marido, Stélio, após prolongada
discussão sobre um caso extraconjugal que ele mantinha há algum tempo.
Zulmira usou a arma de Stélio, pois
nunca pensara em adquirir um revólver e não imaginara que um dia tiraria
a vida do esposo.
A regra geral, portanto, é que, em se
tratando de passionalidade, a mulher
age por impulso, e o homem, com premeditação. Além disso, se não há uma
arma disponível, muito à mão da mulher, o homem não morre.
O Código Penal estabelece que o
motivo do homicídio pode qualificar
o crime, isto é, dependendo do móvel
da ação delituosa, ela pode ser apenada com maior ou menor rigor. Entre
as razões mais reprováveis para tirar a
vida de alguém, estão incluídos o motivo torpe e o fútil.
O motivo fútil é o irrelevante, é quase a falta de motivo para a prática da
agressão. Compara-se o motivo fútil
com motivo nenhum. Por exemplo,
matar alguém por causa de um pisão
no pé. Já o motivo torpe é sinônimo
de vilania, ódio, vingança.
No caso do homicídio passional,
que é praticado por ciúme, egocentrismo, possessividade, prepotência e
até vaidade, não é apropriado considerar que o motivo é fútil. O sentimento que mortifica o passional é de
perda, de desonra, de indignidade, de
repúdio, de inconformismo, o que leva a um irresistível desejo de vingança.
Consequentemente, não se pode
entender que não havia motivo considerável para o crime, mas, isto sim,
que o motivo foi torpe. O passional
mata para impedir que o companheiro se liberte e siga sua vida de forma
independente.
O Tribunal de Justiça de São Paulo
tem vasta jurisprudência no sentido
de que "ocorre a qualificadora do motivo torpe se o acusado, se sentindo
desprezado pela amásia, resolve vingar-se, matando-a".
Está claro que ninguém mata por
amor. O homicida passional não merece compaixão e muito menos perdão por seu ato, ao alegar que não poderia viver sem a vítima. Nos termos
de nossa lei (art.121, parágrafo 2º, do
Código Penal), ele está sujeito a pena
que vai de 12 a 30 anos de reclusão.
Além disso, o homicídio qualificado é
crime considerado hediondo.
O ciúme que extravasa a normalidade deve ser evitado a todo custo,
pois é um veneno que certamente levará à destruição. Ninguém é insubstituível na vida de ninguém, e o fracasso amoroso é absolutamente normal e corriqueiro. Todos temos de
aprender a lidar com isso.
LUIZA NAGIB ELUF, 51, é procuradora de Justiça do
Ministério Público do Estado de São Paulo e autora de "A
Paixão no Banco dos Réus", entre outros livros. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da
Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso).
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