São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

As crises

HÁ PELO MENOS dois fatos empiricamente verificáveis que não podem (ou não deveriam) ser esquecidos neste momento de crise: 1º) as vantagens insuperáveis da organização da atividade econômica através dos mercados (cujo bom funcionamento depende de instituições garantidas pelo Estado), à qual se dá o nome impreciso de "capitalismo". Permitindo aos homens apropriaram-se dos benefícios de sua liberdade de iniciativa e criatividade na ciência e na tecnologia, ele, nos últimos 250 anos (depois de quase dez séculos de prática estagnação), permitiu que a população mundial se multiplicasse por seis, acompanhada de um enorme aumento de seu bem-estar material, cujo indicador definitivo foi a duplicação de sua expectativa de vida ao nascer (de 30 para 60 anos) e 2º) que nestes 250 anos todas as organizações alternativas inventadas por cérebros peregrinos revelaram-se tragicamente ineficientes do ponto de vista econômico e supressoras da liberdade individual sem a qual o homem não realiza o seu potencial.
A organização de atividade econômica pelos mercados tem também seus defeitos. Eles precisam ser mitigados para acomodar outras necessidades do homem: 1º) seu desejo de relativa igualdade e 2º) sua busca incessante de um mínimo de segurança. Os mercados criam um ambiente de intensa competição entre os homens, cujo resultado final depende, obviamente, do ponto de partida de cada um (do lar em que nasceu, das oportunidades de manter sua higidez física e de apropriar-se do conhecimento etc.). A experiência histórica mostra que, deixada a si mesma, ela tende a produzir uma desigualdade econômica moralmente inaceitável. Nos regimes politicamente abertos, a cidadania tenta corrigi-la pelas urnas. É preciso ter presente, portanto, que a busca da estrita eficiência produtiva que não leva em conta as desigualdades dela resultantes não sobrevive ao sufrágio universal livre.
Outro fato historicamente verificável é que, mesmo quando a ação do Estado corrige parte das desigualdades, a organização econômica pelos mercados deixada a si mesma produz uma variação das atividades (do nível de emprego) que gera uma insegurança custosa em termos do bem-estar dos cidadãos. Nos últimos 250 anos, o crescimento do PIB per capita se fez em torno de uma tendência exponencial com 46 ciclos irregulares de flutuação, o último dos quais estamos vivendo.
É por isso que, muito mais do que tentar "refundar o capitalismo" em resposta à crise, é melhor continuar a aperfeiçoá-lo para que a próxima crise tenha menos virulência que a atual...

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ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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