São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002

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ELIANE CANTANHÊDE

"Tudo tem jeito"

BRASÍLIA - Está criada a polêmica. Ou, pelo menos, iniciou-se o bate-boca direto entre o presidente que sai e o que entra. Nada surpreendente. Primeiro, era o esperado. Segundo, foi precedido de cutucadas de petistas. Terceiro, faz parte e está dentro dos limites de convivência. Sem exageros, sem grosseria, Lula está marcando diferença, e precisa mesmo.
Quando falou na Argentina que a América Latina fez "opções equivocadas" e está "à mercê da especulação", Lula apenas repetiu o que diz há meses, até há anos: que ele discorda do modelo adotado pela grande maioria dos países e foi eleito por milhões de pessoas que querem mudar -ou seja, tentar novos modelos. Não foi uma crítica diretamente a FHC. Digamos que foi também a ele.
Quando falou no Chile que as desigualdades sociais no continente ameaçam a democracia e são "um convite às soluções de força", Lula também não disse novidade nem bateu de frente com FHC. Se FHC vestiu a carapuça, é porque sabe que seu governo falhou no choque social que ele próprio tanto sonhou.
O melindre do presidente que sai expõe a dificuldade de Lula para equilibrar seu discurso entre tantas pressões e interesses divergentes.
Ou critica o modelo globalizante e financista da América Latina e fere FHC, ou preserva as relações com FHC renegando o discurso que afirmou o PT como alternativa de poder.
Se fala tudo o que pensa sobre a realidade brasileira, a dívida, os juros, as mazelas sociais, não apenas atinge FHC como afasta investidores estrangeiros. Se fala que tudo está uma maravilha, agrada a FHC e aos investidores, mas cria uma expectativa falsa na população e especialmente no seu eleitorado.
Em resumo: se doura a pílula, aumenta perigosamente a esperança, a expectativa. Se não, desperta medo.
É por isso que, seja qual for o ministério e seja anunciado hoje ou não, uma coisa é certa: o discurso de Lula para seus ministros será de crítica ao atual modelo, mas com tom otimista para o futuro. Traduzindo: "Ruim está, mas tem jeito".


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