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ELIANE CANTANHÊDE
"Tudo tem jeito"
BRASÍLIA - Está criada a polêmica. Ou, pelo menos, iniciou-se o bate-boca direto entre o presidente que sai e
o que entra. Nada surpreendente.
Primeiro, era o esperado. Segundo,
foi precedido de cutucadas de petistas. Terceiro, faz parte e está dentro
dos limites de convivência. Sem exageros, sem grosseria, Lula está marcando diferença, e precisa mesmo.
Quando falou na Argentina que a
América Latina fez "opções equivocadas" e está "à mercê da especulação", Lula apenas repetiu o que diz
há meses, até há anos: que ele discorda do modelo adotado pela grande
maioria dos países e foi eleito por milhões de pessoas que querem mudar
-ou seja, tentar novos modelos. Não
foi uma crítica diretamente a FHC.
Digamos que foi também a ele.
Quando falou no Chile que as desigualdades sociais no continente
ameaçam a democracia e são "um
convite às soluções de força", Lula
também não disse novidade nem bateu de frente com FHC. Se FHC vestiu
a carapuça, é porque sabe que seu governo falhou no choque social que ele
próprio tanto sonhou.
O melindre do presidente que sai
expõe a dificuldade de Lula para
equilibrar seu discurso entre tantas
pressões e interesses divergentes.
Ou critica o modelo globalizante e
financista da América Latina e fere
FHC, ou preserva as relações com
FHC renegando o discurso que afirmou o PT como alternativa de poder.
Se fala tudo o que pensa sobre a
realidade brasileira, a dívida, os juros, as mazelas sociais, não apenas
atinge FHC como afasta investidores
estrangeiros. Se fala que tudo está
uma maravilha, agrada a FHC e aos
investidores, mas cria uma expectativa falsa na população e especialmente no seu eleitorado.
Em resumo: se doura a pílula, aumenta perigosamente a esperança, a
expectativa. Se não, desperta medo.
É por isso que, seja qual for o ministério e seja anunciado hoje ou não,
uma coisa é certa: o discurso de Lula
para seus ministros será de crítica ao
atual modelo, mas com tom otimista
para o futuro. Traduzindo: "Ruim está, mas tem jeito".
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