São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Plano Diretor em novas encruzilhadas

LUIZ CARLOS COSTA

Em setembro passado, dois fatos nos permitiram refazer a esperança de que o Plano Diretor aprovado viesse a colocar São Paulo no caminho da superação de seus grandes problemas. O primeiro foi o veto da prefeita aos artigos irresponsavelmente contrabandeados para dentro do projeto aprovado. O segundo foi a inclusão, na mesma lei, da obrigatoriedade de haver uma segunda fase do Plano Diretor que superasse as lacunas subsistentes naquele projeto, conforme em várias oportunidades pudemos propor.
Pela lei aprovada, essa fase se estenderá até 30 de abril de 2003, quando deverão estar elaborados "de forma articulada" os planos setoriais de transportes e vias e de habitação, a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo e os planos regionais (artigos 6, 183 e 271).
É óbvio, porém, que a simples fixação de uma data nada garante. Ao contrário, pode servir de pretexto para, diante da premência do tempo, vir a se reinstalar em breve o clima de pressa e improvisação que há poucos meses eliminava a possibilidade de chegarmos refletida e democraticamente a soluções mais satisfatórias para o Plano Diretor e dava força às pressões oportunistas de última hora que exigiram os vetos corretivos. Nada justificaria, portanto, que fossem agora prejudicadas as duas missões básicas desse período adicional de planejamento: primeiro, completar o Plano Diretor com elementos essenciais, cuja proposição e discussão teve de ser adiada para essa segunda fase. Segundo, introduzir um planejamento regional e local mais específico que se harmonizasse com o planejamento global e propiciasse um novo estágio de participação da sociedade.
Quanto à primeira missão, importa sobretudo dar consistência, precisão e operacionalidade àquelas três políticas, de transportes, habitação e de uso do solo, que -ainda ao nível do conjunto da cidade- precisam ser rigorosamente complementares e interdependentes.
Quanto à outra missão, ou seja, a elaboração dos planos regionais, deve-se esperar que esses venham a consubstanciar as decisões operativas da sociedade de como se rebateriam sobre as diferentes regiões as políticas definidas para o conjunto da cidade.
No entanto a muitos de nós da sociedade civil que temos atendido à convocação de participar dos planos regionais preocupa o fato de se ter deixado a condução dos planos às subprefeituras em condições bastante adversas.
Adversas, de um lado, por não se ter enfatizado a grande diversidade que estas apresentam quanto à natureza e complexidade de seus problemas urbanos, quanto à capacidade de gestão e de planejamento da administração local e quanto aos compromissos de sua burocracia com os agentes econômicos e forças políticas locais.


Não se pode correr o risco de os planos regionais constituírem uma colcha de retalhos desintegrados


Adversas, de outro lado, pelo caráter sumário da orientação metodológica proposta, pela imprecisão dos objetivos e critérios gerais do planejamento, pela indefinição dos "pontos obrigados" que decorreriam, em cada região, dos planos de transportes, habitação e uso do solo ainda não concluídos, bem como pela ausência de análises quantificadas e detalhadas das características de uso do solo, indispensáveis à definição das normas urbanísticas a adotar em zonas e subzonas.
Finalmente, preocupam-nos as indefinições que subsistem (apesar de terem de ser definidas por lei) quanto ao papel das organizações de moradores e usuários na fixação das normas urbanísticas e programas que condicionarão o atendimento dos direitos dos cidadãos à moradia e aos serviços urbanos essenciais.
Assim sendo, apesar do grande interesse e mobilização da sociedade civil alcançados na atual fase dos trabalhos, não há garantias do resultado do processo, sobretudo se mantidos os prazos anunciados, nem garantias de que os pleitos colocados pelas associações, entidades e movimentos serão devidamente considerados e publicamente avaliados.
Embora não haja espaço aqui para analisarmos os muitos problemas e riscos decorrentes do processo em curso, é indiscutível que não se pode correr o risco de os planos regionais constituírem uma colcha de retalhos desintegrados nem o risco de se descolarem dos três planos complementares ao Plano Diretor nem o de chegar novamente a propostas insuficientes com as justificativas de que "o possível foi feito".
Entendemos que a superação objetiva desses problemas dependerá de uma reprogramação muito mais clara e precisa do que a hoje disponível, essencial para a execução viável, articulada e legitimada das muitas tarefas a serem repartidas entre o Executivo, o Legislativo e a sociedade civil, na qual a universidade se situa, inclusive para definirmos o que será feito imediata e posteriormente, antes e depois de 30 de abril.
A explicitação e a discussão pública desse programa constituem em si mesmas uma tarefa coletiva. Estamos certos de que, como nós, muitos dos que têm trabalhado no planejamento da cidade terão sugestões válidas para compor e viabilizar essa programação, buscando dar-lhe garantias de eficácia e democracia. Propomos, pois, que a reprogramação geral dessa segunda fase do Plano Diretor seja abertamente debatida.


Luiz Carlos Costa, 67, arquiteto, é professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP


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