São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Como não crescer

PARA ENCONTRAR o rumo ao crescimento com inclusão é preciso evitar dois descaminhos.
O primeiro descaminho veste as roupagens da ortodoxia. Falta-lhe, porém, base na teoria econômica, na prática dos países ricos ou na experiência do que venha dando certo. É pseudo-ortodoxia, recomendada por autoridades econômicas, políticas e acadêmicas de países fortes e ricos a governos de países fracos e pobres. Sacrifica a economia real à confiança financeira.
Adota agenda de "reformas" destinada a agradar investidores privados. Não é projeto que ainda seja levado a sério por estudiosos do desenvolvimento mundo afora. Nenhum dos países que crescem rapidamente o adota; o mais distante dele é a China. Nenhum dos países que o abraçam cresce, com a exceção parcial de alguns pequenos como o Chile.
Absurdamente, continua a ser defendido entre nós, com pompa, como se fora encarnação da ciência e do bom senso. Assim como o primeiro descaminho é ortodoxia postiça, o segundo é rebeldia desorientada. Trata-se do keynesianismo simplificado que, no Brasil, por falta de tradições intelectuais vigorosas, acaba servindo de contraponto à orientação dominante. Sua diretriz é afrouxar o rigor fiscal graças à diminuição do superávit, à revisão das leis inibidoras e à multiplicação de isenções tributárias, para que governo, empresas e indivíduos invistam e gastem mais.
Mas há problema. Se não houver estratégia consistente que persista no rigor fiscal para poder, com êxito, tensionar com o mercado financeiro e baixar o juro; que privilegie incentivos à produção porém adie incentivos ao consumo para evitar que se agrave a tensão entre crescimento econômico e estabilidade monetária; que mobilize recursos já disponíveis (por exemplo, no BNDES) para superar os gargalos de transporte e de energia e que facilite transferência maciça de tecnologia e de conhecimento às centenas de milhares de empreendimentos emergentes que constituem nossa verdadeira fábrica de empregos, o esforço de rebeldia terminará em frustração. Aos primeiros sinais de surto inflacionário e de crise de confiança, o governo se renderá.
É preciso ter visão de conjunto. A visão necessária mantém o rigor fiscal, organiza o investimento público, incentiva o investimento privado, muda as leis que castigam quem empregue e qualifique o trabalhador; constrói o desenvolvimento sobre a base da ampliação de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir.



www.law.harvard.edu/unger

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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