São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A República do Vice-Reino

PAULO SKAF


Como em 1808, persistem equívocos que reduzem o potencial de expansão mais substantiva do PIB brasileiro


EM 2008 , o Brasil comemorará os 200 anos da imprensa e da indústria gráfica, talvez os legados mais importantes da presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro, para onde d. João 6º, fugindo da invasão napoleônica na Península Ibérica, transferiu-se com sua família.
Em termos políticos, o principal avanço, à época, foi a elevação da então colônia ao status de vice-reino. No plano da economia, registraram-se mudanças positivas, como a abertura dos portos às nações amigas, a criação do Banco do Brasil e o surgimento de um novo mercado consumidor, aquecido pela presença maciça dos funcionários da coroa e da aristocracia "imigrante". O Rio de Janeiro transformou-se em importante centro financeiro-comercial.
Havia toda uma condição favorável, interna e externa, à prosperidade. No entanto, a estrutura colonial e práticas já anacrônicas nas monarquias mais modernas, como o confisco das melhores casas da cidade para residência dos nobres, uma espécie de aparelhamento e posse compulsória do Estado sobre bens privados, mitigaram o potencial de expansão e modernidade e limitaram o crescimento àquela circunstância histórica da conversão da colônia em vice-reino.
Duzentos anos depois, estamos, mais uma vez, diante de oportunidades imensas de ingressar num círculo virtuoso de crescimento sustentado, no contexto de uma economia mundial favorável e de condições internas positivas, como o contingenciamento da dívida externa, a inflação sob controle, a melhoria de alguns indicadores sociais e índices positivos quanto à confiança dos consumidores.
Como em 1808, no entanto, persistem equívocos que reduzem o potencial de expansão mais substantiva do PIB, multiplicação de empregos e ingresso numa trajetória irreversível de desenvolvimento.
Um exemplo: o lamentável "presente" que o governo deu aos brasileiros no primeiro dia útil do novo ano, anunciando o aumento das alíquotas do IOF e da CSLL. Tal ônus tributário é descabido e desnecessário, pois a União terá aumento de arrecadação de R$ 40 bilhões em 2008 em relação ao exercício anterior, já descontada a receita da CPMF, que, felizmente, a sociedade conseguiu derrubar no Senado Federal.
Isso mostra que o Brasil continua premido por um modelo obsoleto de Estado e pela ausência de reformas estruturais.
Não irá sustentar-se o crescimento econômico mantido pela ampliação do volume de crédito sob uma das mais altas taxas de juros do mundo. A sociedade tem um limite, por certo já ultrapassado, para transferir dinheiro ao Estado na forma de impostos.
A bomba de efeito retardado da Previdência não pode ser eternamente ignorada. A ausência de políticas públicas mais eficazes de educação, saúde e segurança, por exemplo, continuam "denunciando" que o governo, embora arrecade muito, gasta mal o dinheiro público.
Não se pode empanar a realidade sob o tapete de uma onda de euforia; não se deve, como ocorre há décadas, empurrar os problemas com medidas paliativas até a próxima eleição...
É necessário aproveitar bem a conjuntura do mundo e algumas boas condições criadas pelo próprio governo -o atual e o anterior- desde o advento do Plano Real. Isso implica avançar na cultura político-administrativa e solucionar problemas estruturais que seu ranço tem perpetuado nas vísceras do dinossauro estatal.
É imprescindível, no novo ano, implementar as reformas tributária e fiscal, previdenciária e trabalhista, cujo impacto positivo seria grande no custo Brasil; é imprescindível tornar a máquina pública menos burocratizada e mais eficiente, modernizando seus serviços e a colocando em sinergia com a sociedade; é inadiável uma contemporânea política para a indústria, pois as nações dependem muito do fortalecimento do setor, em razão de sua alta participação no PIB, dos empregos e das riquezas que gera e do ingresso de divisas provenientes da exportação de bens com alto valor agregado.
Mais do que nunca, o Brasil precisa potencializar suas virtudes e corrigir seus defeitos, alguns deles atávicos.
As circunstâncias continuam favoráveis! Em 2008, não podemos mais ficar patinando entre o desenvolvimento que nos atrai e os vícios históricos que nos seguram. É imprudente perpetuar, 200 anos depois, um híbrido e estranho Estado que poderíamos chamar de República do Vice-Reino.


PAULO SKAF , empresário, 52, é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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