São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2009

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Geopolítica do gás

Rússia ameaça Europa com desabastecimento energético; negociação e integração diminuiriam tentação autocrática

O RISCO de desabastecimento energético na Europa se agravou ontem, quando o premiê russo, o todo-poderoso Vladimir Putin, ordenou à estatal Gazprom que reduza o volume de gás natural enviado à Ucrânia em totais equivalentes aos que Moscou acusa Kiev de ter "furtado". Desde o dia 1º, a Rússia diminui o envio do combustível à antiga aliada, acusando-a de não honrar compromissos comerciais.
Em uma sucessão de acusações mútuas, os dois países têm procurado atrair a Europa para o litígio, já que uma parcela expressiva do gás consumido pela União Europeia é importada da Rússia e passa pelos dutos ucranianos. Com a disputa, seis países da União Europeia -República Tcheca, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Eslováquia- e a Croácia já registraram quedas no fornecimento do gás.
Não se trata de uma mera desavença comercial. A ameaça energética é a nova expressão de poder da Rússia, que detém as maiores reservas de gás do mundo. Trata-se de seu grande instrumento de pressão política, que se agrega a um arsenal militar ainda respeitável, mas defasado em relação ao dos EUA.
Ameaças ao suprimento de energia europeu têm sido utilizadas com regularidade para enfrentar a política do governo George W. Bush na região. Nos últimos anos, a iniciativa de Washington de instalar um escudo antimísseis em países do antigo bloco soviético tem provocado reações crescentes da Rússia.
Além disso, a estratégia de atrair agressivamente os países da antiga Europa Oriental para a Organização do Tratado do Atlântico Norte exalta os ânimos locais. A Ucrânia e a Geórgia têm governos pró-ocidentais. Diante de uma provocação da Geórgia contra a região separatista da Ossétia do Sul, em agosto do ano passado, Moscou reagiu com inesperada violência.
O corte no envio de gás à Ucrânia também coincidiu com a posse na presidência rotativa da União Europeia da República Tcheca, país candidato a abrigar unidades do escudo antimísseis.
Diante disso, é alentador que o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, tenha indicado, durante a campanha, que adotará uma linha de ação mais coordenada com a Europa para lidar com o neoexpansionismo russo. O presidente Dmitri Medvedev e o premiê Putin desejam manter o poder forte e centralizado no Kremlin, mas não o farão à custa de um novo isolacionismo econômico. Pelo contrário, seu programa depende do crescimento da economia -e das exportações de petróleo e gás, portanto.
Para a Europa, a solução negociada é a única forma de superar a ameaça de desabastecimento. Desde 2006, quando a interrupção do envio de gás à Ucrânia se refletiu na UE, os países aumentaram seus estoques, mas não dispõem de alternativa de fonte energética no curto prazo.
As economias da União Europeia e dos países que compunham a antiga União Soviética estão cada vez mais interdependentes. Essa integração é o melhor meio de estimular novas democracias na região e moderar a tendência belicosa da Rússia.


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