São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2009

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Sombras do passado

Agravamento da insegurança econômica e do desemprego suscita atitudes protecionistas e xenofóbicas pelo mundo

O PIOR , dizem alguns economistas a respeito da crise mundial, ainda está por acontecer. O prognóstico já seria preocupante se se limitasse apenas aos aspectos quantitativos da questão: decréscimo das atividades industriais, aumento do desemprego, paralisia do crédito.
Ocorre que também se anunciam preocupantes -embora ainda haja tempo para coibi-los- os efeitos políticos e ideológicos da atual situação. Em meio à onda de demissões que atinge as principais economias do mundo, ganham nova força o nacionalismo populista e a xenofobia.
No Reino Unido, trabalhadores de uma refinaria de petróleo realizaram uma greve contra a admissão de empregados italianos e portugueses. Imigrantes romenos foram demitidos em Londres, a fim de dar lugar a ingleses, nas obras de preparação para as Olimpíadas de 2012.
Na Itália, o governo Berlusconi não perde oportunidade para explorar politicamente o preconceito e o racismo de parte significativa de seu eleitorado. Uma alarmante manifestação dessa atitude veio à tona ontem.
Por 156 votos a favor, 132 contra e uma abstenção, o Senado italiano aprovou parte de um projeto que criminaliza (com penas de até quatro anos de prisão) a imigração ilegal. A lei desce a detalhes que beiram a infâmia. Estimula-se, por exemplo, que médicos denunciem às autoridades os imigrantes ilegais que tiverem atendido nos hospitais. Num estilo que lembra o fascismo, incentiva-se também a criação de "rondas" de cidadãos para controlar a segurança nas ruas.
Ninguém desconhece o quanto contribuíram para sustentar os regimes totalitários da década de 1930 as angústias e os ressentimentos criados num ambiente de insegurança econômica.
Seria precipitado, sem dúvida, aproximar dois momentos históricos distintos. No campo mais estritamente econômico, vem dos anos 30, todavia, outra amarga lição -que muitos hoje aparentam ignorar.
A crise daquela década foi agravada pela adoção de medidas protecionistas. Buscando garantir seus níveis internos de emprego, cada país tratou de criar barreiras às importações. O movimento acarretou quedas ainda mais dramáticas no nível da atividade econômica global.
A demanda por mais protecionismo vai reaparecendo em toda parte -do Senado americano a setores da sociedade brasileira. Trata-se de um discurso de fácil aceitação e comprovada ineficácia. Contornar suas armadilhas exige um esforço de coordenação global urgente.
Épocas de crise, como se sabe, não são propícias ao abandono dos particularismos e ressentimentos nacionais; o quadro já é suficientemente grave, contudo, para que velhas sombras ressurjam a complicá-lo ainda mais.


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