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RUY CASTRO
Depois da chuva
RIO DE JANEIRO - Nove da noite, 10 de janeiro de 1966, uma segunda-feira. Os primeiros trovões
rugiram quando eu saía da casa de
meus pais, na Glória. Não ligo para
chuva, mas, assim que pus o pé na
calçada, algo se espatifou ao meu lado. Era um pingo, com o diâmetro e
a força de um balde sendo despejado. Começava ali um dos maiores
temporais da história do Rio.
Choveu forte, grosso e sem parar
por 60 horas. Depois saberíamos
que, apenas nas primeiras 36, tinham sido 500 milhões de metros
cúbicos de água -15 vezes a capacidade da lagoa Rodrigo de Freitas,
300 vezes a do Maracanã. Colapso
nos transportes, luz, elevadores, telefones, comércio, bancos, abastecimento, água. Os desabamentos,
1.500 no total, aconteciam a toda
hora e em toda parte. Barracos, sobrados e até encostas despencavam
sobre a enxurrada.
Na manhã de quinta, a chuva finalmente parou. O sol fez as primeiras caretas e a cidade iniciou a
contabilidade: 300 mortos, 25 mil
desabrigados, prejuízo bárbaro. As
águas baixaram e surgiu a lama. Começaram a lavagem, a vacinação
contra o tifo e a varíola, o racionamento de energia. Meu cursinho
pré-vestibular ficava no 19º andar,
eram 19 andares diários a pé.
O Carnaval seria dali a um mês.
Haveria clima? Falou-se em adiamento. Mas onde já se viu adiar o
Carnaval? Com as ruas limpas, o comércio reaberto e uma sensação coletiva de renascimento, os blocos,
as escolas e os clubes prometeram
um grande Carnaval.
A jovem Banda de Ipanema tomou as ruas e a Portela venceu na
avenida com "Memórias de um Sargento de Milícias", de Paulinho da
Viola. Os bailes ferveram. Nenhuma marchinha emplacou, mas dois
sambas ficaram para sempre: "Tristeza", de Haroldo Lobo e Niltinho, e
"Vem Chegando a Madrugada", de
Adil de Paula e Noel Rosa de Oliveira. Valeu.
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