São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2007

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Greve com regras

Falta lei para regular as paralisações no serviço público; atendimentos essenciais aos cidadãos devem ser preservados

EM MAIS uma da longa série de metamorfoses que vão transfigurando o PT no exato avesso do ideário que um dia celebrizou o partido, o governo do ex-líder sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva agora propõe restringir e até mesmo proibir paralisações em setores do funcionalismo público.
Fosse essa apenas mais uma das contradições do PT lulista com o seu passado, o episódio não constituiria nada além de outra iniciativa constrangedora a ser incluída nos anais do folclore político. Ocorre, porém, que a regulamentação das greves no serviço público é uma questão ainda não resolvida da Constituição de 1988.
Por incrível que pareça, passados mais de 18 anos da promulgação da Carta, a qual assegura amplo direito de greve, os congressistas ainda não foram capazes de elaborar uma lei que regule as paralisações no serviço público -à diferença do setor privado, que dispõe de regulamentação para greves desde 1989.
A lacuna continuou mesmo após o Congresso ter aprovado, em 1996, uma emenda constitucional que deixou de exigir lei complementar (cuja aprovação requer maioria qualificada) para disciplinar a matéria. Basta agora a maioria simples.
Os princípios consagrados na Constituição, especialmente nos artigos 9º e 37, não poderiam estar mais corretos. O direito de greve está assegurado, e cabe aos trabalhadores definir quando o utilizarão, assumindo todos os riscos advindos da interrupção do trabalho, como o desconto dos dias parados no salário.
A única limitação prevista é que as necessidades inadiáveis da população sejam preservadas durante as greves. Caberia, pois, à lei definir quais são os serviços públicos essenciais -como o fez para o setor privado- e criar mecanismos para assegurar um mínimo de atendimento. As sanções, no caso de desobediência, precisam ser severas.
A inexistência dessas regras tem ensejado abusos. No ano passado, por exemplo, uma paralisação de mais de dois meses na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pôs em risco o abastecimento de remédios e suprimentos hospitalares importados. Greves no INSS fazem parte do calendário anual da instituição, causando enormes transtornos e prejuízos à população.
Não cabe simplesmente proibir greves de servidores civis. Mas daí não decorre que não se possam estabelecer regras que visem a impedir o colapso do atendimento à população. Médicos, por exemplo, sempre que realizam greves buscam preservar o setor de urgência e emergência. É imperativo que se adotem, como norma, práticas similares no serviço público.


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