São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

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KENNETH MAXWELL

Escondidos diante de todos

UMA DAS COISAS mais estranhas sobre o jornalismo brasileiro é o fato de que continue a conferir credibilidade àquilo que os jornais dos Estados Unidos, especialmente o "New York Times", têm a dizer sobre o país.
Por isso, foi muito estranho estar no Reino Unido recentemente, poucos dias depois de ter descoberto nas páginas internas do "New York Times" um mapa do Condado de Devon no qual Tiverton, a antiga cidadezinha que eu estava visitando para ver minha família, ocupava posição proeminente. O mapa ilustrava um longo artigo sobre a caça à raposa, ou melhor, sobre os inimigos da caça à raposa, que estavam ocultos nos arbustos, equipados de binóculos e câmeras, para verificar se a organização local de caça estava obedecendo à nova lei quanto aos esportes de sangue, que, desde 2004, proíbe a caça à raposa com o uso de sabujos, ou pelo menos proibiu que os cachorros façam aquilo que são treinados para fazer -perseguir raposas e, quando as apanharem, matá-las.
Trata-se de um espetáculo repulsivo, com certeza. A raposa é despedaçada pelos cães de caça.
Agora, os caçadores podem caçar, mas os cachorros devem ser controlados, e a raposa tem de ser abatida, a tiro, de forma misericordiosa; uma espécie de compromisso tipicamente inglês, que gerou conflitos infindáveis nos campos entre os caçadores e os defensores dos direitos dos animais.
A correspondente do "New York Times" havia visitado Devon para passar o dia agachada entre os arbustos em companhia dos ativistas que se opõem à caça, à procura dos caçadores de raposa e de seus cães.
Foi uma visita infrutífera, ao que parece. Mas, embora a caçada não tivesse passado pelo local em que ela estava postada, era necessário escrever um artigo. E lá estava o resultado. Eu mesmo estive em Tiverton no "boxing day", o dia posterior ao Natal, no ano passado, e vi, na velha praça do mercado, no centro da cidade, os adeptos da caça à raposa reunidos diante do Half Moon Inn, resplandecentes em suas túnicas vermelhas e acompanhados de quase 300 sabujos inquietos.
Assim, caso a correspondente do "New York Times" volte a se aventurar pelas mais recônditas regiões de Devon, basta que visite Tiverton no "boxing day" se quiser encontrar os caçadores escondidos diante dos olhos de todos.
Mas será que os moradores locais prestaram atenção à reportagem do "New York Times"? De maneira nenhuma.
Não estou certo de que saibam e muito menos se importem com o que seja o "New York Times". Uma boa lição para os brasileiros.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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