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TENDÊNCIAS/DEBATES
Bibliotecas para quem?
CARLOS AUGUSTO CALIL
Desativar uma biblioteca enquanto se constroem outras não é o apocalipse; é prioridade recuperar o papel estratégico das bibliotecas
RECENTES MEDIDAS da Secretaria Municipal de Cultura, amparadas em estudos e decisões técnicas do Sistema Municipal de Bibliotecas, causaram polêmica na imprensa. A notícia que circulou é que a prefeitura iria fechar quatro de suas bibliotecas, o que não corresponde exatamente à verdade.
A reação, desproporcional ao fato,
foi alimentada por questões de natureza emocional e, certamente, simbólica. Quem seria favorável ao fechamento de bibliotecas? Na tábula rasa
que se tenta produzir como conseqüência, apareceu maliciosamente a
insinuação de que a prefeitura não
possui uma política para as suas bibliotecas. Nada mais injusto. Um dos
principais objetivos desta gestão na
área cultural é justamente revigorar e
ampliar a rede de bibliotecas municipais, uma das maiores do mundo.
Constituída a partir do decênio de
1940, sua expansão se consolidou nos
anos 1960, a partir do conceito de descentralização, defendido por Mário
de Andrade, o primeiro secretário de
Cultura de São Paulo. Nos bairros, a
vocação iluminista das bibliotecas era
apoiada na complementaridade com
a função educativa. Escola pública e
biblioteca eram sinônimos de excelência na oferta de serviços pelos governos. A decadência da escola levou
ao abandono da biblioteca de seu público privilegiado, o estudante.
Bibliotecas de referência, como a
Mário de Andrade e a Monteiro Lobato, com a debandada da população do
centro, viram-se subitamente esvaziadas de seu papel de irradiadoras da
alta cultura e de pólos aglutinadores
da vida inteligente da cidade.
A rede de bibliotecas públicas se deteriorou. No início de 2005, as bibliotecas eram administradas pelas subprefeituras, poucas delas em condições de mantê-las. De telhados avariados a livros mutilados, equipamentos obsoletos e catalogação suspensa,
o quadro era desesperador.
Sem espaço para receber novos
exemplares, com problemas de infiltração, coleções de periódicos abandonadas etc., há tempos a biblioteca
Mário de Andrade, segunda mais importante do país, aguardava ação de
revitalização, que veio com o projeto
de reforma e expansão ora em curso,
com investimento de R$ 25 milhões.
O descrédito na atuação do poder
público era tal que se tornou indispensável elaborar um amplo leque de
medidas que visasse a reverter tal situação. Essa política de revitalização
incluía necessariamente a criação do
Sistema Municipal de Bibliotecas,
com o objetivo de dotar a prefeitura
de instrumento de racionalização e
modernização da rede.
A recuperação do papel estratégico
das bibliotecas na cultura da cidade
tornou-se prioridade. Antes de tudo,
a coleção precisava ser radicalmente
renovada, e, por este motivo, investimos R$ 3,6 milhões na compra de 150
mil exemplares de livros e na assinatura de 97 títulos de periódicos.
Reformas em 23 bibliotecas restituíram as condições mínimas de conforto dessas edificações e receberam
investimento de cerca de R$ 2,5 milhões. Em 2008, 15 novas obras deverão ser iniciadas, atendendo à necessidade de metade da rede. Novas bibliotecas serão construídas em Cidade Tiradentes e Itaquera, com início
das obras previsto para este ano, e a
rede dos CEUs se expande rapidamente na periferia.
O projeto Bibliotecas Temáticas indicou que investir em acervos especializados nas unidades é um caminho promissor. Já estão em operação
quatro unidades temáticas em poesia,
cultura popular, música popular brasileira e contos de fadas, e mais seis
serão implantadas ainda neste ano.
Outras medidas vêm sendo adotadas: renovação da frota dos ônibus-biblioteca, que operava com os mesmos veículos desde 1991; implantação
de pontos de leitura (minibibliotecas
em regiões carentes); ampliação dos
bosques de leitura nos parques municipais; instalação de telecentros nas
bibliotecas em condições de acessibilidade, que já abrangem um terço da
rede; e, claro, a retomada da catalogação do acervo. Nada disso será consolidado se não pudermos contratar novos bibliotecários: um concurso para
preencher 180 vagas já está aberto,
com prova prevista para 27 de abril.
Esse esforço ainda não é suficiente,
mas sinaliza a via de superação do
atraso acumulado. Essas ações são
possíveis graças à duplicação do orçamento da Secretaria Municipal de
Cultura ocorrida na gestão Serra/
Kassab, de R$ 150 milhões em 2005
para R$ 300 milhões em 2008.
Na racionalização dos recursos, é
preciso agir com coragem para romper o imobilismo instaurado há anos.
Desativar uma biblioteca enquanto se
constroem outras não é o apocalipse
anunciado com trombetas. Mas a mobilização da comunidade em torno
das medidas de revitalização pode
significar o fim da indiferença pelo
destino de nossas bibliotecas. E então
todo esse barulho terá valido a pena.
CARLOS AUGUSTO CALIL, 56, é secretário de Cultura da
Prefeitura de São Paulo. Documentarista e escritor, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Foi diretor do Centro Cultural São Paulo (20001-2005).
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