São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES "Politização" na gestão ambiental
ÉDIS MILARÉ
É compreensível o intento daquelas e de outras empresas, sob o amparo do artigo 10 da lei 6.938/81, que permite atuação supletiva do Ibama em caso de infindos obstáculos por parte de órgãos das outras unidades da Federação. Por outro lado, seria no mínimo insensato o que alguns Estados estão fazendo, atitude que pode provocar aquela tentativa de transferência de licenciamento ambiental com precedentes indesejáveis. Para impedir que os entes públicos continuem agindo assim, o mal tem de ser atacado pela raiz. Analisemos alguns aspectos socioambientais relacionados a não poucos casos. Parto da consideração básica de que a saúde ambiental é pressuposto para a saúde humana, assim como a sustentabilidade natural e a tecnológica são pressupostos para o desenvolvimento. Ocorre que muitos dos nossos órgãos ambientais têm mais burocratas do que verdadeiros agentes ambientais. Burocratas que se dedicam a analisar exaustivamente os impactos de grandes projetos, enquanto a realidade cotidiana vai se deteriorando sem pedido de qualquer tipo de licença. Isso é grave e precisa ser alterado imediatamente. Porém o que se torna ainda mais lamentável é o que se verifica no pequeno campo de atuação de certas autoridades: as aleivosias às licenças ambientais para os grandes projetos de grandes empresas, como se elas fossem irremediavelmente ilícitas ou criminosas. É lamentável por ameaçar, por colocar em dúvida a seriedade com que são avaliados projetos verdadeiramente relacionados ao interesse nacional ou regional, analisados sob a ótica miúda do egoísmo eleitoreiro do líder da província. Há autoridades estaduais que buscam, num esforço de "politização", levar a discussão sobre outorga de licença ambiental do campo técnico para o político, do procedimento administrativo de licenciamento para a sala de assessores "politizados", com a exigência, por exemplo, da implantação de uma refinaria ou da construção de casas populares em todo o Estado. Com que direito? Com que critério? Com isso, todo o avanço alcançado na legislação ambiental corre o risco de perder credibilidade. O objeto legítimo e legal de um empreendimento goza de presunção de boa-fé e dos favores do direito. O empreendedor legítimo e bem orientado conta com o amparo do artigo 170 da Constituição Federal. A licença ambiental não pode ser condicionada a cláusulas estranhas à legislação e aos procedimentos licenciatórios, sob a impertinente alegação de "compensação ambiental" ou "social". Os assuntos que são levados obrigatoriamente a um conselho de meio ambiente ou à consideração do poder concedente podem ser -e às vezes devem ser- objeto de negociação, num fórum ou espaço próprio de negociação. Fique claro que negociação não é negociata. Por fim, convém recordar que o abuso do poder, a demora injustificada ou de má-fé nos procedimentos licenciatórios, por atentatórios ao direito e ao bom senso, devem ser configurados como atos de improbidade administrativa. A justiça social não se constrói sobre as ruínas da justiça legal. Se o poder público quer fantasiar ou exagerar um direito, ele acabará inexoravelmente por resvalar na injustiça. Édis Milaré, advogado e consultor ambiental, procurador de Justiça aposentado, foi o primeiro coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Secretário Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (governo Fleury). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Zander Navarro: Adeus ao passado (e talvez ao futuro) Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
|