São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nós, mulheres, queremos apenas igualdade

ANA FALÚ

No século passado, as mulheres começaram a participar como protagonistas em cenários até então exclusivamente masculinos. Ao mesmo tempo, os homens começaram a se aproximar de espaços de domínio ancestral das mulheres. Essa convergência transgrediu limites que pareciam perpétuos e inquebrantáveis. O que nos ensinou o século passado foi que a definição do papel social dos homens e das mulheres pode, sim, ser questionada e alterada. E essa percepção abre um espaço imenso para a liberdade e a utopia.


O século passado ensinou que a definição do papel social dos homens e das mulheres pode, sim, ser questionada e alterada


Os avanços se produziram graças à luta das mulheres, graças ao desejo persistente de construir a eqüidade de gêneros. Esse curto período histórico do século 20, no entanto, não foi suficiente. Temos muito clara a noção de que o paradigma da igualdade para homens e mulheres, na formulação de políticas, é indissociável do ideal democrático.
Essa é a idéia que insistimos em reafirmar quando, enfim, por capacidade própria -e não sem persistentes dificuldades-, começamos a ocupar lugares decisivos na condução dos Estados latino-americanos. Temos consciência de que a discriminação transcende amplamente a ação do Estado, mas sabemos também que o papel deste na construção da igualdade de gênero não deve ser neutro.
Qual é o balanço que podemos fazer sobre aquilo que já conseguimos conquistar e sobre o que ainda nos falta avançar no sentido da construção de uma cidadania plena para mais de 50% da população do mundo?
Os desafios são muitos e persistentes, mas também são bastante representativos os nossos avanços.
Entre os ganhos, podemos computar o enriquecimento técnico-científico do discurso em prol da igualdade de gênero, observável não só no maior rigor dos conteúdos e na melhoria dos sistemas de informação, algo que ocorreu em praticamente todos os países da região, mas também pela atenção pública conquistada para os assuntos relacionados à situação das mulheres. Além disso, temos novos grupos de mulheres e novas gerações de antigos grupos -as afro-descendentes, as jovens, as lésbicas e as indígenas- tratando de tornar ainda mais visíveis suas próprias e diversas realidades.
Houve uma sensível mudança de ênfase na ação dos movimentos e organizações de mulheres durante esse período. Talvez o seu aspecto mais notório tenha sido o de privilegiar a ação no âmbito das relações com os Estados nacionais e com os governos locais.
Podemos dizer que foram privilegiados os temas e as estratégias políticas que buscavam incidir sobre os Estados como novos interlocutores nacionais, buscando exercer influência em assuntos públicos com demandas que, em alguns casos, se traduziram em planos de igualdade de oportunidades dos próprios organismos do Estado.
Podemos dizer que este é um momento de trânsito do movimento social ao movimento cidadão, no qual "a ênfase na ação cidadã" faz com que os movimentos de mulheres mudem de cenário e definam novos objetivos.
Do discurso cultural, da ênfase nas transformações da vida cotidiana, passa-se a buscar transformações das instituições do Estado, passa-se a incidir sobre a formulação de leis, de políticas, sobre os espaços políticos formais.
Esta década reafirma também os direitos das mulheres em distintos acordos e plataformas internacionais, desde aquela definida pela 4ª Conferência Mundial da Mulher (Beijing, 1995) até alcançar os acordos regionais. Antecedentes fundamentais são a Cedaw (sigla em inglês para a Convenção para a Eliminação de Toda Forma de Violência contra a Mulher) e a aprovação, em junho de 1994, por meio de convocatória da OEA, da Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará.
Ambas serviram de inspiração para a elaboração de legislações específicas contra a violência de gênero e para o impulso às reformas de antigos e ultrapassados códigos penais que tratam de delitos sexuais -reformas essas já realizadas ou em andamento, ainda que nem sempre com a celeridade e a convicção devidas.
O Unifem, agência das Nações Unidas para o desenvolvimento das mulheres, busca, no marco dos direitos humanos, facilitar e atuar como catalisador de esforços em algumas linhas principais: erradicação da pobreza e diminuição dos hiatos produzidos pela desigualdade entre as mulheres; contribuição à promoção da governabilidade democrática por meio do incremento das capacidades decisórias e participativas das mulheres nos níveis político, econômico, cultural e social; além do trabalho contínuo de combate à violência.
E existe, sobretudo, um princípio que não deve ser deixado de lado: a igualdade de gênero é não apenas um fim mas também um meio imprescindível para alcançar o desenvolvimento pleno dos países.

Ana Falú, 58, arquiteta, doutora em urbanização social pela Universidade de Delft (Holanda), professora da Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), é diretora do escritório regional para o Brasil e países do Cone Sul do Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher).


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