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RUY CASTRO
Legado de Woodstock
RIO DE JANEIRO - A garota foi
escovar os dentes e deparou com o
bichinho estranho, escuro, de perninhas, pouco maior que uma pulga, contra a louça branca da pia do
banheiro. Nunca vira aquele inseto
antes. Ficou curiosa e chamou a
mãe para espiar. Esta ajeitou os
óculos, e o que viu a deixou com os
cabelos -textualmente- em pé.
"Um piolho!", exclamou. Ponha
três pontos de exclamação.
O estupor da mãe era compreensível. A última vez que vira um piolho ao vivo fora no Carnaval de
1938. E agora estávamos em 1970.
Segundo estatísticas que os governos não se cansavam de alardear, e
as pessoas sabiam ser verdadeiras,
o piolho estava erradicado do Brasil
havia mais de 30 anos.
O responsável pelo invasor não
pagava dez. Era o filho mais velho
-20 anos, fã de Janis Joplin, barba
e gafurinha nazarenas que passavam dias a léguas do chuveiro e que
andava pelo Leblon vestindo ponchos e cobertores estilo Woodstock, mesmo sob 39 graus.
Woodstock ou não, a mãe não
perdoou. Levou o filho para a área
de serviço e aplicou-lhe detefon suficiente para fazer uma nuvem de
fumaça -podiam-se ver os piolhos
em desespero, agonizantes. Em seguida, cobriu-lhe o cabelo com uma
touca de plástico, para exterminar
os recalcitrantes. Horas depois, enfiou o garoto no chuveiro, despejou-lhe dois ou três frascos de xampu nas melenas e quase arrancou-lhe o couro cabeludo com um coça-costas de camelô. Em seguida, um
pente-fino encarregou-se do mar
de lêndeas que infestavam sua nuca. A primeira fase da operação estava completa. Nos dias seguintes
haveria outras.
Em agosto, o mundo comemorará os 40 anos do festival de Woodstock. Outros acharão mais pertinente mencionar os 40 anos da volta de uma praga que já se julgava extinta, e que, como qualquer mãe sabe, voltou para ficar. Haja detefon.
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