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OTAVIO FRIAS FILHO
Ex e atual
O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso está numa posição confortável. Parece que não lhe
faltam convites para conferências
bem remuneradas. Manietado pelo
cargo que ocupou e pelas ambições de
retomá-lo, FHC não pode se manifestar na antiga condição de sociólogo inventivo, tendo de se ater ao senso comum do qual não convém a um político se afastar. Mesmo assim, mantém-se em circulação e com visibilidade.
Levado, ao que tudo indica, pelo receio de ser suplantado por caciques
tucanos que hoje exercem poder estadual, FHC deixou no mês passado a
posição de relativo recolhimento em
que se confinava a fim de mostrar que
continua no jogo. O normal seria retomar, agora, o perfil mais discreto, com
o intuito de se preservar para emergir
novamente em momentos críticos
que virão pela frente.
Os políticos profissionais se dividem
entre os que só atuam por meio da
ação (Lacerda e Collor, por exemplo) e
os que o fazem também por meio da
omissão (Getúlio e Tancredo, por
exemplo). Correspondem, na gíria do
futebol, aos que só jogam com a bola e
aos que também sabem jogar sem bola. FHC é um político deste segundo tipo. A esse traço de estilo deve-se
acrescentar que alguém muito importante trabalha dia e noite para ele.
Esse alguém é o presidente Lula, a
quem os tucanos deveriam erguer
uma estátua de gratidão. Ao manter,
nas políticas essenciais de governo, a
mesma orientação do governo tucano, Lula só confirma a sensação crescente de que Fernando Henrique estava, desde o início, correto: não existia
alternativa ao modelo em vigor. Da
mesma forma involuntária pela qual a
ditadura conferiu legitimidade moral
à esquerda, Lula a está dilapidando.
Outra contribuição inadvertida do
atual chefe de governo é sua própria
maneira de ser. A cada vez que Lula se
mostra como é -desabrido, rudimentar, desorientado-, ficam reforçadas, por contraste, as características
de discernimento intelectual e elegância cosmopolita que estão associadas,
não sem motivo, à imagem popular
do ex-presidente. Tudo muito confortável.
Começa a ficar mais claro, a propósito, o que houve com Lula. Ele achava
que mudar dependia da boa vontade
do governante. Como católico que é
(essa a sua "ideologia", no fundo),
imaginava que pessoas bem intencionadas, como ele próprio, fariam o
"bem" uma vez no poder. Não sabia
que a latitude de decisão é muito estreita; a administração pública, muito
complexa; as estruturas, mais poderosas que as pessoas.
É muito cedo, evidentemente, para
saber se FHC teria chances de disputar
com êxito a próxima eleição contra
Lula. Seria preciso que o atual governo
chegasse a 2006 com uma imagem tão
ruim que fizesse despertar um novo
"queremismo" no eleitorado. Mas
não tão ruim a ponto de estimular vocações messiânicas que, numa situação de colapso, poderiam crescer.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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