São Paulo, segunda-feira, 06 de junho de 2005

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TENDÊNCIA/DEBATES

Questão penitenciária: uma questão social

ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA


A cultura reinante é a de que o dever exclusivo é o de castigar o criminoso, e não o de evitar o crime
Não se pode abordar a questão penitenciária em nosso país sem uma digressão a respeito da criminalidade, ou melhor, dos meios eleitos para combatê-la.
Note-se, em primeiro lugar, que todas as abordagens a respeito desta questão giram em torno, exclusivamente, dos efeitos do crime. Encara-se o delito como uma realidade posta e não como um fenômeno a ser evitado. Parece ser ele, bem como o seu crescimento, fato irreversível, em face do qual só nos resta atuar após a sua ocorrência. Pouquíssima ou nenhuma preocupação com as suas causas e com os seus fatores desencadeadores.
Ademais, impera a noção de que a única resposta para o delito é a prisão. Com a prisão, o direito-dever do Estado de responder ao crime parece estar devidamente cumprido. Numa quadra em que as alternativas para o cárcere são perseguidas, entre nós se dá exatamente o contrário.
O sinônimo de punição, pois, é a custódia do acusado mesmo antes do processo, no seu curso ou após o seu término. Já o sinônimo de impunidade, contrário senso, é a ausência do encarceramento. A cultura reinante é a de que o dever exclusivo é o de castigar o criminoso, e não o de evitar o crime.
Essa idéia, amplamente divulgada pela imprensa e aceita por significativa parcela de juízes, promotores e delegados, é amplamente aceita pela sociedade. Esta aceita o que lhe é transmitido, especialmente se coincide com os seus anseios de encontrar culpados para castigar. Na verdade, ela se transformou em campo fértil para a sanha acusatória. Campo fértil para que germine o escândalo, a maledicência, a acusação leviana e a execração, tão a gosto de uma imprensa menor.
O chamado homem mediático perdeu o poder de crítica. Recebe as imagens que atingem seus sentimentos e suas emoções sem passá-las pela razão. O que é divulgado é tido como verdade.
Na realidade, está ele perdendo a sua individualidade, segundo anota Ortega y Gasset. Faz parte do todo. Pensa como todos. E poucos pensam nos projetos coletivos. Cada qual procura seus interesses imediatos ligados ao confronto e ao bem-estar. O sonho e a utopia estão rareando.
Há uma propagação persistente, diria até obstinada, da ideologia da repressão como o instrumento único de combate ao crime. Entenda-se como repressão os mecanismos retributivos utilizados em face do cometimento do delito.
Essa cultura repressiva vem acompanhada da divulgação, pelos meios que mais atingem a massa -filmes e novelas-, da violência como único meio de reação às frustrações e decepções que a vida oferece. Assim, de um lado, o estímulo ao crime, e, de outro, ao castigo.
Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde.
Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação. Com efeito, sem apoio durante o cumprimento da pena e abandonado ao sair do presídio, sua tendência quase inexorável será a volta à delinqüência.
Na verdade, Estado e sociedade pouco fazem para dar à prisão um sentido utilitário e construtivo. Investem no encarceramento, mas quase nada na liberdade. Cuidam de prender, mas desatendem às necessidades e exigências do sistema em relação ao cumprimento da pena e ao egresso, com vista à sua reintegração.
Alguém já disse, e é verdade, que o sistema real opera em sentido contrário aos objetivos declarados. Assiste-se a um paradoxo. O cidadão exige punição, quer soluções para a questão penitenciária, mas afasta-se dos presos e dos egressos, não admite prisões em sua cidade, não se faz cúmplice na missão de ressocializar. Ao contrário, tem cumplicidade com o abandono, razão da reincidência.
É preciso educar, convencer, mudar o consciente coletivo. Ter a imprensa como aliada. Passar da exclusão discriminatória para a ação inclusiva. Ter a coragem de estender as mãos, de criar canais com o outro mundo -que, aliás, é o nosso.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, 59, advogado criminal, é presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (87-88/89-90) e secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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