São Paulo, quarta-feira, 06 de junho de 2007

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RUY CASTRO

Rip Van Winkle

RIO DE JANEIRO - No século 18, um homem chamado Rip Van Winkle cochilou à sombra de uma árvore e dormiu 20 anos. Quando acordou, seu país deixara de ser uma colônia inglesa. Tornara-se uma república e, em vez do rei George 3, celebrava-se George Washington. O autor dessa história, subtraída dos irmãos Grimm, foi o americano Washington Irving, em 1819.
Pois hoje temos um Rip Van Winkle à vera: o ferroviário polonês Jan Grzebski, que entrou em coma em 1988, passou 19 anos apagado e acaba de voltar à tona. Ao acordar, Grzebski descobriu que a Polônia deixara de ser um apêndice soviético, que a URSS se esfacelara e que o Muro de Berlim fora vendido em caquinhos para os turistas. Mas houve mais novidades com as quais Grzebski (pronuncia-se Grzebski) terá de se acostumar.
Ele deve estar espantado, por exemplo, de que os últimos homens ainda a fim de se casar no papel sejam os padres. Que, pela força dos respectivos lobbies, logo ficará proibido de vez fumar cigarros convencionais, e obrigatório fumar maconha. E que bilhões de pessoas que nunca tinham encostado um dedo numa máquina de escrever decoraram de primeira o teclado do computador.
Da mesma forma, deve estar sendo difícil para ele aceitar que a música aboliu a melodia e a harmonia, passando a usar apenas o ritmo ou a letra. Que o cinema americano tornou-se impróprio para maiores de 13 anos. E que as crianças substituíram a cartilha pelo videogame.
Ele também não deve acreditar até agora que a China está a ponto de se transformar no maior país capitalista do mundo. Que a direita brasileira inventou uma maneira infalível de continuar no poder: elegendo presidentes de esquerda. E que palavras outrora autônomas como ética, fisiologismo e descaramento passaram a significar a mesma coisa.


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