|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Rip Van Winkle
RIO DE JANEIRO - No século 18,
um homem chamado Rip Van Winkle cochilou à sombra de uma árvore e dormiu 20 anos. Quando acordou, seu país deixara de ser uma colônia inglesa. Tornara-se uma república e, em vez do rei George 3, celebrava-se George Washington. O autor dessa história, subtraída dos irmãos Grimm, foi o americano Washington Irving, em 1819.
Pois hoje temos um Rip Van Winkle à vera: o ferroviário polonês Jan
Grzebski, que entrou em coma em
1988, passou 19 anos apagado e acaba de voltar à tona. Ao acordar,
Grzebski descobriu que a Polônia
deixara de ser um apêndice soviético, que a URSS se esfacelara e que o
Muro de Berlim fora vendido em
caquinhos para os turistas. Mas
houve mais novidades com as quais
Grzebski (pronuncia-se Grzebski)
terá de se acostumar.
Ele deve estar espantado, por
exemplo, de que os últimos homens
ainda a fim de se casar no papel sejam os padres. Que, pela força dos
respectivos lobbies, logo ficará
proibido de vez fumar cigarros convencionais, e obrigatório fumar maconha. E que bilhões de pessoas que
nunca tinham encostado um dedo
numa máquina de escrever decoraram de primeira o teclado do computador.
Da mesma forma, deve estar sendo difícil para ele aceitar que a música aboliu a melodia e a harmonia,
passando a usar apenas o ritmo ou a
letra. Que o cinema americano tornou-se impróprio para maiores de
13 anos. E que as crianças substituíram a cartilha pelo videogame.
Ele também não deve acreditar
até agora que a China está a ponto
de se transformar no maior país capitalista do mundo. Que a direita
brasileira inventou uma maneira
infalível de continuar no poder: elegendo presidentes de esquerda. E
que palavras outrora autônomas
como ética, fisiologismo e descaramento passaram a significar a mesma coisa.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Combate à corrupção Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: O Brasil e a liberdade Índice
|