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CLÓVIS ROSSI
O Brasil e sua eterna fuga
SÃO PAULO - A ideia de "torcida
única" nos estádios, para evitar selvagerias como a de quarta-feira, é a
típica fuga para lugar nenhum, um
clássico brasileiro.
Alguns exemplos desta mecânica:
1 - Você não consegue evitar a violência de baderneiros antes, durante ou depois das partidas? Fácil. Foge para a frente e proíbe uma das
torcidas de ter o prazer de ver seu
time jogar (e nem estou discutindo
a viabilidade de reconhecer palmeirenses ou são-paulinos, por exemplo, para liberar uns e segurar outros).
2 - Você não consegue criar uma
economia que dê emprego e renda
decentes para a maioria? (Para todos, já seria pedir demais). Fácil.
Foge para a frente a cria a Bolsa Família ou outros mecanismos similares de compensação.
3 - Você não consegue ter um sistema de educação pública que abra
à maioria oportunidades de acesso
à universidade? Fácil. Cria as cotas.
O sistema de ensino continua uma
droga, mas alguns escapam da condenação implícita que significa cair
nas suas engrenagens.
4 - Você não consegue prover segurança à população? Fácil. Recomenda a ela que renuncie a seus
bens (carro, carteira, relógio, celular, o diabo).
5 - Você não consegue dar fluidez
ao tráfico de veículos? (O de drogas,
este sim, é bem fluido). Fácil. Cria o
rodízio.
O aspecto político relevante em
tudo isso é que todas as fugas são
bem intencionadas. É melhor o Bolsa Família do que matar de fome os
muito pobres, por mais que eles
continuem, com a bolsa, a ser obscenamente pobres. É melhor perder o jogo do seu time, a carteira, o
carro, do que a vida, claro.
Mas melhor mesmo, a sério, seria
resolver os problemas em vez de
contorná-los eternamente.
O problema é que, se fossem resolvidos, já não estaríamos no Brasil e seu eterno conformismo com a
privação de direitos e prazeres.
crossi@uol.com.br
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