São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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Após o pré-sal

Proposta do governo para exploração de petróleo em grandes profundidades tem problemas e deveria ser votada pela nova legislatura

O Congresso está por concluir a votação das leis que vão regular a exploração de petróleo no pré-sal e o destino dos recursos públicos provenientes da atividade. Mas seria melhor que não o fizesse.
Não é conveniente que legislação tão importante e de natureza tão controversa seja reescrita em momento de transição, sob o impacto de disputas eleitorais.
A palavra final sobre as novas leis deveria caber a figuras públicas recém-legitimadas pelas urnas, que terão de lidar com as consequências do que for aprovado.
Está em questão o maior programa de investimentos da história do Brasil. Estão em debate orientações que vão determinar o tamanho relativo de vários setores produtivos e, a depender do sucesso da empreitada, até mesmo redefinir vocações da economia do país.
As novas fontes de receita fiscal poderão servir a um decisivo ordenamento das contas públicas ou se dissolver em favores a clientelas regionais travestidas de defensoras do federalismo.
De resto, não está nada claro se a proposta em debate é a mais adequada ao interesse público. Há duas condições básicas a satisfazer em se tratando de um bem da União: a exploração terá de ser feita da forma mais eficiente e com o maior retorno possível para os fundos públicos.
O regime de partilha, escolhido pelo governo, não incentiva a redução de custos -ou ao menos não o faz por meio de mecanismos de mercado. Pelo proposto, os custos são abatidos da parcela de petróleo (ou equivalente) a ser entregue pela empresa à União. Ou seja, gastos desnecessários não reduzem o ganho das petroleiras.
O controle de custos dependerá de um aparato de fiscalização, seja por meio da nova estatal e/ou da Petrobras -que será operadora e sócia obrigatória de todos os empreendimentos e campos do pré-sal. Além de desperdícios, tal sistema pode redundar em corrupção direta e incentivar acordos questionáveis entre as empresas privadas e a Petrobras. O regime atual permite o incremento da parcela do Estado nos resultados da exploração sem desincentivar os ganhos de eficiência.
Argumenta-se que o aumento da presença estatal seria um requisito para expandir a participação da indústria nacional no setor. Basta, para evidenciar a fragilidade do argumento, citar o fato de que governos do mundo dito desenvolvido, mais ou menos liberais, sempre executaram políticas de incentivo à industria nacional sem necessariamente criar estatais na produção de bens ou serviços -menos ainda monopólios.
Tais estímulos não exigem mudança do marco regulatório.
A definição sobre o que fazer com os royalties também exige debate mais alongado e sereno. De uma maneira geral, eles destinam-se às seguintes finalidades:
1) financiar a renovação ou ampliação da infraestrutura à luz dos impactos econômicos e sociais da exploração;
2) financiar um fundo de desenvolvimento destinado a criar oportunidades econômicas, uma vez que o recurso é finito.
Não deve haver distribuição de royalties que não atenda a esses requisitos. A distribuição per capita ou equalizada por outro fator, como se discute no Congresso, deve ser rechaçada.
Uma outra parcela dos ganhos propiciados pela extração dos recursos naturais deveria ser utilizada com vistas a melhorar o quadro fiscal no presente e no futuro. Num país em que o Estado é deficitário e paga uma conta altíssima de juros, recursos extraordinários, como os do petróleo, poderiam ser empregados para o abatimento imediato das dívidas públicas. Isso diminuiria as despesas e ajudaria a reduzir as taxas de juros.
Os efeitos benéficos dessa medida são óbvios. O Orçamento fiscal primário seria menos pressionado e a queda das taxas reduziria os custos de investimento, o que elevaria a eficiência da economia e limitaria o uso estatal e discricionário dos recursos do pré-sal.
Quanto aos recursos que não fossem utilizados no abatimento da dívida pública, deveriam, em sua maior parte, se destinar a um fundo federal único.
Em primeiro lugar, isso facilitaria a fiscalização do uso do dinheiro. Em segundo, estimularia a concentração de gastos na solução de problemas estruturais do país, como os que se conhecem nas áreas de educação, saneamento, transporte e habitação.


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