São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Amar primeiro

O Papa João Paulo 2º, após o Jubileu do Ano 2000, escreveu o precioso documento "Novo Millennio Ineunte", no qual convoca a Igreja a ser fermento da sociedade humana pela vivência da caridade e do amor divino em nós.
No cerne dessa caridade está o espírito de comunhão cuja origem se encontra na perfeição da união trinitária. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são, para nós, a fonte e o modelo da comunhão. As pessoas divinas estão unidas pelo amor que circula entre elas e que se manifesta na criação do mundo e na salvação da humanidade. Nessa obra divina, resplandece a gratuidade do amor. O apóstolo são João (1 Jo. 4,10) ensina-nos que Deus nos "amou primeiro". Antes que fôssemos capazes de amar, ele envolveu-nos com a sua infinita misericórdia. Assim, o amor divino para conosco não depende de nossa resposta. Supera-a. Seu amor é sempre novo. Não somos amados por Deus por sermos bons, mas tornamo-nos bons porque Ele nos ama e nos justifica. Deus é Pai que se alegra ao compartilhar conosco seus bens, suas graças e os frutos de sua caridade.
Amar com o coração de Deus significa aprender com Jesus Cristo a "amar primeiro". Deus é gratuidade. Nós somos chamados a reconhecer e a agradecer a sua caridade, a deixarmo-nos possuir por ela e a viver, como filhos e filhas de Deus, o amor primeiro em relação ao nosso próximo. A iniciativa é sempre de Deus. A nós cabe acreditar no seu amor e expressar a alegria da gratidão filial, a exemplo da Virgem Maria. No entanto, para os irmãos, podemos e devemos imitar o amor primeiro de Deus e também tomar a iniciativa da caridade.
No mundo de hoje, as pessoas não procedem assim, mas bloqueiam a gratuidade e buscam os próprios interesses na ânsia de possuir mais -com esquecimento e até opressão do próximo. O egoísmo destrói os gestos gratuitos e condena o mundo à miséria, à frieza e à destruição da vida.
Amar com o coração de Deus é lançar na sociedade excludente sementes de bondade que hão de vencer o mal com o bem, ajudando os outros a viver e a descobrir, por sua vez, a beleza da gratuidade.
É esse amor primeiro, ensinado por Jesus, que há de salvar a humanidade do ódio que leva à violência e da injustiça que provoca a fome e o desespero. O único modo de superar a vingança é o perdão. Quem perdoa faz a experiência do primeiro amor, a exemplo de Cristo. Quem ama dá o primeiro passo antes mesmo que o outro se arrependa e procura os caminhos de reconciliação.
Diante das desigualdades sociais, da acumulação doentia de bens materiais -que acarreta a miséria e a asfixia de milhões de excluídos- e do abandono de crianças e de idosos, somente o amor gratuito consegue dissolver o coração de pedra e abrir-se à partilha fraterna e à alegria de promover a vida do próximo. Anuncia o "amor a fundo perdido", o convite para a festa feito "aos cegos, aos coxos, doentes e pobres" (Lc. 14,14).
A quantos irmãos e irmãs poderemos hoje levar a mensagem da concórdia e da esperança se entrarmos, o quanto antes, na escola da caridade cristã, do perdão e da partilha! Não haverá mais desamparados com fome, jovens sem horizontes ou ricos fechados no egoísmo. No amor primeiro ao próximo, em sintonia com o coração de Cristo, encontraremos a misteriosa novidade do Evangelho: "Maior a alegria de quem dá" (At. 20,55).
Com a graça divina será possível começar nessa vida a realizar esse sonho.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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