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TENDÊNCIAS/DEBATES
"Plantar árvores" só não basta
BETO RICARDO e RICARDO SALGADO
"Carbono neutro" virou grife. Mas, se o compromisso é com a causa climática, e não com o marketing, não valem as afirmações falsas
APÓS A divulgação recente dos
relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês)
sobre o agravamento da situação do
clima em conseqüência do aquecimento global, com ampla cobertura
na mídia e sensibilização da opinião
pública brasileira, se multiplicam iniciativas de empresas e de outras instituições anunciando a "neutralização"
das suas emissões de gases de efeito
estufa. "Carbono neutro" tornou-se
uma grife concorrida.
É indispensável que pessoas, empresas, outras instituições e governos
adotem práticas sustentáveis e medidas concretas para reduzir ou compensar as emissões. Há iniciativas positivas que podem contribuir para
atenuar a crise climática, e é louvável
que essas medidas e seus resultados
sejam divulgados e reconhecidos.
Porém, aqueles que têm compromisso com a causa climática, e não só
uma intenção de marketing fácil, não
precisam e não devem recorrer a afirmações falsas, como a de que "neutralizaram" as suas emissões sem que isto já tenha efetivamente ocorrido.
O plantio de árvores é uma das alternativas para compensar emissões.
Mas, se uma empresa emite gases
queimando combustíveis fósseis, tais
emissões contribuirão imediatamente para o aumento da concentração, já
excessiva, desses gases na atmosfera.
E o crescimento das árvores seqüestrará carbono lentamente, no decorrer de décadas, até que elas atinjam a
sua idade madura.
Portanto, nesse caso, a compensação de emissões só ocorrerá no longo
prazo, enquanto estas terão ocorrido
de imediato. Qualquer incidente que
aconteça nesse período, de modo a
comprometer o crescimento das árvores, implicará a não-compensação
das emissões já realizadas.
Assim, projetos de reflorestamento
que visem à compensação de emissões precisam ser monitorados durante todo o período de crescimento
das árvores, e somente ao final se poderá afirmar que a compensação, ou
"neutralização" das emissões passadas, efetivamente se deu.
E se o plantio não gerar uma floresta capaz de se reproduzir naturalmente, em algum momento as árvores, mesmo crescidas, morrerão, e o
carbono seqüestrado retornará à atmosfera à medida que sua massa florestal se decompuser ou de imediato,
caso essa massa seja queimada. Somente florestas permanentes podem
repor a massa vegetal perdida com a
morte das espécies mais antigas.
Embora qualquer iniciativa que
contribua para atenuar a crise climática seja positiva, incluindo o plantio
de árvores, a eventual publicidade enganosa que afirme uma "neutralização" de emissões não ocorrida prestará um desserviço à causa. Se vier a ser
objeto de denúncia, produzirá efeito
negativo para a credibilidade dos envolvidos e a formação de consciência
social relativa a essa crise.
Empresas e instituições que decidam contribuir para o combate ao
efeito estufa precisam mais do que de
uma estratégia de marketing e não
podem se limitar à execução de projetos pontuais ou delegar sua responsabilidade a terceiros.
Devem construir parcerias de longo prazo, pois longo será esse combate, e definir políticas permanentes, visando reduzir suas emissões, compensar aquelas que não sejam passíveis de redução imediata e mobilizar
fornecedores e clientes para que façam o mesmo, despoluindo cadeias
produtivas, sistemas de serviços e redes de cooperação a que pertençam.
Para tanto, podem e devem recorrer ao plantio de árvores e contribuir
para agregar outros valores socioambientais, melhorar as condições de vida dos que participam desse trabalho
e prestar mais serviços ambientais,
como proteger fontes e cursos d'água,
a biodiversidade, o solo, a qualidade
do ar. O clima depende desses valores
e serviços, e a concentração de gases
estufa é só uma de suas dimensões.
Devem, ainda, considerar outros
projetos, como erradicação de lixões,
substituição de pastagens, economia
de energia, simplificação de embalagens e tantos mais que possam potencializar ou complementar os efeitos.
O Instituto Terra e o Instituto Socioambiental se dispõem a somar forças com empresas e instituições parceiras para compartilhar tais políticas
e os desafios e resultados do trabalho
que desenvolvem em várias regiões
do país. A gravidade da crise climática
exige esforços adicionais e continuados, alianças ampliadas, responsabilidades compartilhadas e, sobretudo,
uma abordagem mais holística e menos segmentada do mundo que queremos deixar a nossos descendentes.
BETO RICARDO, 57, antropólogo, é diretor do ISA (Instituto Socioambiental).
RICARDO SALGADO ROCHA, 50, engenheiro, é superintendente-executivo do Instituto Terra.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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