São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Obama, McCain e nós

ABRAM SZAJMAN


Candidatos à Presidência dos EUA faziam poucas referências à América Latina. Na campanha atual, essa atitude tomou outro rumo

SE ALGUÉM se der ao trabalho de rever todos os discursos de campanha feitos pelos candidatos à Presidência dos Estados Unidos nos últimos 60 anos talvez encontre, no máximo, 2% de referências à América Latina, de um modo geral, e menos ainda em relação ao Brasil, em particular. Na campanha atual, porém, essa atitude tomou outro rumo, certamente devido ao crescimento do voto hispânico, que já alcança cerca de 25% dos eleitores naquele país.
No decorrer desse tempo, as posições dos candidatos republicanos e democratas nunca foram muito diferentes com relação à América Latina, sempre tratada, de certa forma, como região de segunda classe no planeta.
Agora, à questão do aumento do contingente de votantes latinos soma-se o debate que tem como foco a questão das energias alternativas. É nesse item que as posições de Barack Obama e John McCain se distanciam.
Há pouco, Obama fez restrições às nossas iniciativas enérgicas, afirmando que "a liderança do Brasil em biocombustíveis causa certa preocupação". Quanto à questão do etanol, especificamente, Obama afirmou em recente entrevista que é um admirador do nosso programa, "um exemplo a ser seguido". Ressalva, entretanto, que o programa do álcool brasileiro foi feito com subsídios, enquanto o americano necessitaria de enormes investimentos. Ele julga que a sobretaxa imposta ao nosso etanol só poderá ser extinguida quando o setor de energia alternativa estiver plenamente desenvolvido nos Estados Unidos.
John McCain, por seu lado, está convicto de que os Estados Unidos devem investir pesadamente em energias alternativas, sobretudo com o uso de biocombustíveis. Por isso, vem advogando uma redução na sobretaxa da importação americana do etanol do Brasil e também de outros eventuais produtores.
Quem vier a ocupar o Salão Oval da Casa Branca a partir do próximo ano sabe que dele dependerá o futuro da abertura das relações comerciais dos Estados Unidos não somente com o Brasil mas com todo o mundo.
As relações comerciais se tornam cada vez mais complexas em decorrência da recente presença de dois outros fortes participantes desse cenário, a China e a Índia. Na verdade, os Estados Unidos vêm perdendo importância como parceiro comercial do Brasil. Entre 2003 e 2004, o mercado americano era o destino de 21% das exportações brasileiras. Em 2006, as relações comerciais entre os dois países alcançaram um recorde histórico com saldo positivo de quase US$ 10 bilhões para o Brasil. Entre 2007 e 2008, a porcentagem chegou apenas a 15%, justamente por causa da concorrência da China e da Índia.
Era de esperar que, a partir de 2009, o principal embate comercial com os EUA se desse no agronegócio. Porém, o recente fracasso da Rodada Doha tornou o panorama imprevisível nessa área, a não ser que americanos e brasileiros encontrem alguma forma de acordo bilateral.
Por ora, a realidade é que, apesar do colapso das negociações em Genebra, o Brasil vai continuar se opondo na Organização Mundial do Comércio aos volumosos subsídios que os americanos concedem a seus agricultores e às sobretaxas que nos são impostas.
Ao mesmo tempo, os dois países concordam que nem o biocombustível brasileiro, a partir da cana-de-açúcar, nem o americano, que tem o milho como matéria-prima, podem ser inseridos nas causas da alta dos preços dos alimentos no mundo.
Em suma, em 2009, o Brasil e o mundo estarão diante desta situação: o presidente democrata será mais liberal na política e mais conservador no protecionismo; o republicano será mais conservador na política e mais flexível nas relações comerciais.
Em um ponto, porém, os dois candidatos estão perfeitamente de acordo: a obrigação de os Estados Unidos se comprometerem com a manutenção da democracia em todas as nações da América Latina.
A essa altura, seria leviano apontar qual dos dois candidatos seria melhor para o Brasil. De um modo geral, republicanos e democratas nunca diferiram no que nos diz respeito a suas políticas externas. Houve, sim, um considerável avanço durante a presente administração republicana.
Nos encontros realizados entre Bush e Lula, no ano passado, um no Brasil e outro nos Estados Unidos, os dois presidentes chegaram à conclusão de que tinham mais pontos de convergência do que de divergência.
Dessas conversas resultou, inclusive, a criação de um fórum econômico, com reuniões semestrais, tendo como objetivo o incremento entre as relações comerciais dos dois países, tendo Lula afirmado que "as relações entre os Estados Unidos e o Brasil não são apenas necessárias, são estratégicas".
Esperemos que Obama e McCain compartilhem igual pensamento.


ABRAM SZAJMAN , 68, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), do Centro de Comércio do Estado de São Paulo e dos Conselhos Regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

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