São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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Custo da inoperância

Acúmulo de votações no Congresso Nacional mina autonomia do Poder e resulta do péssimo fluxo de trabalho nas Casas

O "ESFORÇO concentrado" dos parlamentares para aprovar leis revela a precariedade com que são conduzidos os trabalhos legislativos. A Câmara se mobilizou para votar, num prazo de apenas três dias, 20 medidas provisórias, uma série de projetos de lei e a proposta de emenda constitucional que acabou com votações secretas em plenário.
Como as MPs estavam trancando a pauta, era preciso aprová-las ou rejeitá-las antes de passar a qualquer outra matéria.
É claro que não é possível, num período tão restrito de tempo, avaliar cada uma das iniciativas com o denodo merecido. Na segunda-feira, um acordo de líderes levou à aprovação de 18 MPs sem discussão sobre mérito. Passaram pelo Parlamento sem que uma vírgula do texto original, elaborado pelo Executivo, fosse alterada. Apenas duas, as MPs 293 e 294, que tratam de matéria sindical, foram rejeitadas.
Como observou ontem o colunista Janio de Freitas, nesta Folha, o esforço concentrado desvirtua os valores éticos e culturais do Legislativo. Leva a instituição a renegar a atribuição que lhe dá nome, pois quem acaba legislando é o Executivo.
Parte do problema se deve mesmo ao governo. Embora em seus tempos de oposição o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificasse o excesso de medidas provisórias como uma "forma autoritária de governar", no poder sua administração exibiu notável incontinência legiferante. Desde que assumiu, Lula já baixou 217 MPs (até 31 de agosto), uma média de 4,9 por mês. É um número comparável ao de FHC, que, entre 2001 e 2002, editou 6,8 MPs por mês.
Desnecessário dizer que grande parte delas não atende aos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Que urgência pode haver, por exemplo, na MP 125, que instituiu no Brasil o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK), relativo à exportação e à importação de diamantes brutos?
O Executivo, entretanto, não é o único culpado pela distorção do Legislativo. Num certo sentido, os governos também são vítimas da inoperância do Congresso. Se as matérias de interesse do Planalto fossem votadas em ritmo razoável pelo rito ordinário dos projetos de lei, cairia muito o volume de MPs editadas.
O trabalho dos congressistas é exasperantemente lento e irregular. Parlamentares só costumam freqüentar suas Casas de terça a quinta. Votações importantes tendem a ocorrer apenas às quartas. Determinados eventos de periodicidade fixa como a Copa do Mundo ou as festas juninas têm o incrível dom de transformar os corredores do Congresso em desertos.
Críticas à "semana parlamentar" seriam descabidas se os congressistas dessem conta de manter um fluxo mais ou menos regular de matérias discutidas e votadas, sem recurso a estratagemas duvidosos como o "esforço concentrado", que silenciam os debates parlamentares e transformam o Poder Legislativo em mero apêndice homologador de propostas do Executivo.


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