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Todos pela educação de qualidade
MILÚ VILLELA
Apesar de a criança brasileira aprender menos do que o necessário, os pais acham satisfatório o ensino público. Um equívoco de percepção
POUCAS FORAM as pessoas que
ficaram muito indignadas com
os resultados da última Prova
Brasil, exame realizado pelo Ministério da Educação para avaliar o desempenho dos alunos do ensino público
brasileiro. Não se viu nenhuma manifestação pública importante. Nem se
observaram movimentos de desagravo à cidadania. Parece não chocar tanto quanto seria necessário a conclusão de que um aluno de oitava série no
Brasil tem o mesmo nível de conhecimento que um de quarta série de
qualquer lugar do mundo.
As conclusões da Prova Brasil estão
longe de representar uma novidade.
Afinal de contas, os mais recentes testes internacionais do Pisa têm colocado o país na lanterna do ranking mundial de domínio de língua, matemática e ciências.
O fato novo é que, apesar da constatação de que a criança e o jovem brasileiros aprendem menos do que seria
necessário, uma pesquisa preliminar
feita pelo próprio MEC revela que os
pais consideram satisfatório o ensino
público. Um equívoco de percepção,
sem dúvida, cujas razões ainda precisam ser melhor estudadas.
A primeira conclusão que se pode
tirar é que os pais demonstram um nível baixo de exigência em relação à escola. Ficam felizes com a vaga, delegam mentalmente a missão de educar
ao Estado, participam pouco da vida
escolar e, de quebra, não conseguem
avaliar o que é ou não uma escola em
que, de fato, se aprende.
Para romper esse ciclo, será lançado hoje, no museu do Ipiranga, em
São Paulo, o Compromisso Todos Pela Educação. Criado a partir de uma
inédita aliança entre lideranças da sociedade civil, empresas, MEC, Consed
(Conselho Nacional de Secretários de
Educação) e Undime (União Nacional
de Dirigentes Municipais de Ensino),
o movimento inicia sua jornada sob a
orientação de duas firmes crenças.
A primeira é a de que um país só poderá ser considerado independente
se suas crianças e seus jovens tiverem
um ensino público de qualidade, capaz de prepará-los para os desafios do
século 21 -daí a escolha do simbólico
2022, ano do bicentenário da Independência, como ponto de chegada do
compromisso.
A segunda se escora na idéia de que
o ensino só vai melhorar quando os
pais, especialmente, mas também
educadores, líderes comunitários,
conselhos tutelares e promotores públicos souberem valorizar a educação
básica, verificar a sua qualidade e cobrar uma oferta melhor nas escolas de
sua comunidade.
Sobre o Compromisso Todos Pela
Educação, vale destacar que não se
trata de um projeto, um evento ou
uma campanha de propaganda para
chamar a atenção sobre o tema. É
uma ação permanente de 16 anos, acima de partidos, pessoas e organizações, aberta à participação de todos os
brasileiros que atribuem à educação a
condição de mais importante política
pública para o nosso país.
O compromisso não quer fazer o
papel dos governos nem substituir organizações da sociedade civil que já
atuam com educação, mas trabalhar
em sintonia com eles. Também não
deseja intervir diretamente na escola.
Sua proposta de atuação é "qualificar a demanda" por uma educação básica de qualidade, lançando mão de
estratégias de comunicação que mobilizem e orientem os diferentes públicos relacionados ao universo da
educação, estimulando a avaliação da
qualidade da escola.
O diferencial mais importante do
compromisso, no entanto, está nos
resultados e no modo como os acompanhará. No esforço de melhorar as
condições de acesso e permanência,
alfabetização, qualidade, correção de
fluxo, conclusão e financiamento, o
comitê técnico do compromisso, formado pelos mais importantes pensadores da educação brasileira, sob a
coordenação de Viviane Senna, elaborou cinco metas nacionais, simples,
desafiadoras e exeqüíveis.
A meta um estabelece que, até
2022, 98% das crianças e jovens de 4 a
17 anos estarão na escola. Hoje, 97%
de brasileiros entre 7 e 14 anos estão
matriculados na rede pública. Entre 4
e 17 anos, são apenas 88%.
A meta dois projeta que toda criança de oito anos saberá ler e escrever.
A meta três estima que pelo menos
60% dos alunos deverão aprender o
que é apropriado para a sua série. Segundo o Saeb (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica), apenas 25% dos alunos atingem esse nível em língua portuguesa, e 10% o
atingem em matemática.
Pela meta quatro, 80% dos jovens
deverão ter completado o ensino fundamental até os 16 anos, e 70%, o ensino médio até os 19 anos, o que exigirá um salto importante.
A meta cinco trata do financiamento público necessário para suportar o
cumprimento das quatro metas anteriores: até 2011, e mantendo pelos 11
anos seguintes, o investimento em
educação básica terá de corresponder
a 5% do PIB, um significativo avanço
em relação aos 3,5% de hoje.
Atingir as cinco metas nos próximos 16 anos é possível. Mas exigirá de
todos os brasileiros paixão pelo tema,
esforço concentrado e cooperação entre organizações da sociedade civil,
empresas e governos. Chegou a hora
de sermos todos pela educação. Para
que, em 2022, possamos festejar o bicentenário da Independência num
país de escola boa e de oportunidades
iguais para todos.
MILÚ VILLELA, 59, é presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, do Instituto Itaú Cultural, do Faça Parte
-Instituto Brasil Voluntário e do Comitê Executivo do
Compromisso Todos Pela Educação.
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