São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2007

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A arte de dizer não

Houve falta de decoro no caso Renan? Com votação secreta no plenário, senadores sonegam a resposta ao eleitor

BASTARIA chegar ao microfone e dizer uma única palavra -a palavra "não". O constrangimento em pronunciá-la, contudo, era indisfarçável. Estava em pauta, no Conselho de Ética do Senado, a cassação de Renan Calheiros. Transmitida ao vivo, a decisão foi tomada pelo voto aberto de 15 senadores.
Onze deles (um a mais do que o previsto) aprovaram o relatório identificando no comportamento de Renan Calheiros fartas evidências de quebra do decoro parlamentar. Sobraram quatro senadores favoráveis ao presidente da Casa. Expostos ao julgamento da opinião pública, o ato de rejeitar o relatório parecia causar-lhes desconforto.
O "não" demorava para sair. Vinha embutido em ruminações diversas e vagos movimentos de protesto quanto ao fato de a votação não ser secreta. Com efeito, há deliberações políticas que se fazem com mais facilidade longe das vistas dos cidadãos; a transparência, se não garante necessariamente os compromissos éticos de ninguém, tende pelo menos a tornar mais custosa a disposição em transgredi-los.
Aprovado em votação aberta no Conselho de Ética, o pedido de cassação irá ao plenário do Senado Federal, onde os adeptos de Calheiros serão poupados do eventual incômodo de explicar suas decisões. Por força de determinação constitucional, no plenário as cassações de mandato se decidem em segredo.
O eleitor se vê, com isso, destituído de um direito básico: o de julgar, conforme as próprias convicções, o acerto ou o equívoco das decisões tomadas por seus representantes. Qualquer que seja a avaliação que se faça a respeito das denúncias contra Renan Calheiros, já com isso se institui um ambiente de impunidade no plenário, pois o voto secreto nada mais faz do que assegurar aos senadores uma espécie de impunidade política: tornam-se beneficiários do privilégio abusivo de não prestar nenhum esclarecimento à sociedade sobre seus atos nesse caso.
Mas talvez seja um exagero considerar que, nesse sentido mais amplo, a "impunidade política" de fato exista. O que ocorre, de certa maneira, é algo ainda mais grave. A responsabilidade individual de cada senador, sobre a qual incidiria o juízo de seus eleitores, dissipa-se numa névoa que recobre toda a instituição. É o Senado, em seu conjunto, que tende a ser julgado pela decisão anônima de que foi palco, sem que se discriminem as diferenças -reais- entre seus vários componentes.
Sem dúvida, por força de cálculo eleitoral ou de convicção íntima, haverá senadores que façam questão de declarar, mesmo informalmente, o voto que derem no julgamento de Calheiros. Nem todos, contudo, mostram-se dispostos a dar essa informação ao eleitor.
Houve falta de decoro? Sim ou não? A pergunta é simples. A resposta, entretanto, parece impor-se a alguns políticos como um desafio acima de suas forças -e, certamente, de seus interesses pessoais.


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