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A arte de dizer não
Houve falta de decoro no caso Renan? Com votação secreta no plenário, senadores sonegam
a resposta ao eleitor
BASTARIA chegar ao microfone e dizer uma única palavra -a palavra
"não". O constrangimento em pronunciá-la, contudo, era indisfarçável. Estava em
pauta, no Conselho de Ética do
Senado, a cassação de Renan Calheiros. Transmitida ao vivo, a
decisão foi tomada pelo voto
aberto de 15 senadores.
Onze deles (um a mais do que o
previsto) aprovaram o relatório
identificando no comportamento de Renan Calheiros fartas evidências de quebra do decoro parlamentar. Sobraram quatro senadores favoráveis ao presidente
da Casa. Expostos ao julgamento
da opinião pública, o ato de rejeitar o relatório parecia causar-lhes desconforto.
O "não" demorava para sair.
Vinha embutido em ruminações
diversas e vagos movimentos de
protesto quanto ao fato de a votação não ser secreta. Com efeito, há deliberações políticas que
se fazem com mais facilidade
longe das vistas dos cidadãos; a
transparência, se não garante
necessariamente os compromissos éticos de ninguém, tende pelo menos a tornar mais custosa a
disposição em transgredi-los.
Aprovado em votação aberta
no Conselho de Ética, o pedido
de cassação irá ao plenário do Senado Federal, onde os adeptos de
Calheiros serão poupados do
eventual incômodo de explicar
suas decisões. Por força de determinação constitucional, no plenário as cassações de mandato se
decidem em segredo.
O eleitor se vê, com isso, destituído de um direito básico: o de
julgar, conforme as próprias
convicções, o acerto ou o equívoco das decisões tomadas por seus
representantes. Qualquer que
seja a avaliação que se faça a respeito das denúncias contra Renan Calheiros, já com isso se institui um ambiente de impunidade no plenário, pois o voto secreto nada mais faz do que assegurar aos senadores uma espécie de
impunidade política: tornam-se
beneficiários do privilégio abusivo de não prestar nenhum esclarecimento à sociedade sobre
seus atos nesse caso.
Mas talvez seja um exagero
considerar que, nesse sentido
mais amplo, a "impunidade política" de fato exista. O que ocorre,
de certa maneira, é algo ainda
mais grave. A responsabilidade
individual de cada senador, sobre a qual incidiria o juízo de
seus eleitores, dissipa-se numa
névoa que recobre toda a instituição. É o Senado, em seu conjunto, que tende a ser julgado pela decisão anônima de que foi
palco, sem que se discriminem as
diferenças -reais- entre seus
vários componentes.
Sem dúvida, por força de cálculo eleitoral ou de convicção íntima, haverá senadores que façam
questão de declarar, mesmo informalmente, o voto que derem
no julgamento de Calheiros.
Nem todos, contudo, mostram-se dispostos a dar essa informação ao eleitor.
Houve falta de decoro? Sim ou
não? A pergunta é simples. A resposta, entretanto, parece impor-se a alguns políticos como um
desafio acima de suas forças -e,
certamente, de seus interesses
pessoais.
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