São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2007

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KENNETH MAXWELL

Um pombinho entre corujas

UMA DAS peculiaridades da história brasileira é que o Sete de Setembro comemore um príncipe português que não queria voltar para casa, foi parar no Ipiranga devido a um surto de diarréia, declarou que "ficaria" no Brasil e, é claro, no final não foi isso que fez.
Mas ele pelo menos era bonito.
Quanto a isso, a sabedoria popular brasileira está certa, e os historiadores hoje envolvidos em esforços de reabilitação de dom João 6º e de sua consorte deficiente no quesito beleza, a infanta Carlota Joaquina, estão definitivamente errados.
Não é preciso especular a respeito.
Contamos com uma testemunha ocular na pessoa de Laure Permon Junot, uma beldade vivaz, descendente de uma família corsa e amiga de infância de outro famoso filho da Córsega, o imperador Napoleão Bonaparte.
Laure Permon era casada com o general Andoche Junot, que se tornou embaixador da França em Portugal. Junot mais tarde comandou o exército francês que invadiu Portugal em 1807, o evento que forçou a família real portuguesa a cruzar o Atlântico em direção ao Brasil, dando início ao processo que culminaria no Sete de Setembro.
Junot era um dos mais valentes comandantes dos exércitos de Napoleão. Quando de seu casamento com Laure Permon, Napoleão deu ao casal 100 mil francos, e mais 100 mil francos quando nasceu a primeira filha deles.
Junot apresentou suas credenciais à corte portuguesa vestido no esplendoroso uniforme de comandante dos Hussardos, que havia sido criado especialmente para que ele usasse na cerimônia de coroação de Napoleão. Junot não teve impressão favorável sobre a família real portuguesa. "Mon Dieu", ele exclamou a Laure quando voltou para casa. "Como o príncipe (dom João) é feio! Mon Dieu! Como é feia a princesa (Carlota Joaquina)! Mon Dieu! Como eles todos são feios! Não há um rosto atraente em toda a família, a não ser o do príncipe real (Dom Pedro)... Ele é um jovem bem apessoado, e parece um pombinho em meio a uma ninhada de corujas".
Um dia depois de sua apresentação à corte, o embaixador francês recebeu uma mensagem em sua residência, indagando se Junot "poderia amavelmente emprestar seu uniforme de hussardo para servir de molde ao alfaiate de sua alteza".
Dom Pedro queria uma cópia. Com base nisso, o relativismo da nota divulgada na semana passada pelo Alto Comando do Exército brasileiro, afirmando que a história "tem diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas", está parcialmente correto. Como no caso do amor de dom Pedro pelos uniformes, muita coisa depende do ponto de vista.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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